
ESPECIAL 30 REVISTA DA CAASP
Segundo o artigo 144 da Constituição, cabe
à Polícia Militar o policiamento ostensivo,
uniformizado, também chamado preventivo.
Dada a divisão do trabalho ditada pelo
mesmo artigo, que atribui a investigação
com exclusividade às Polícias Civis, resta
aos policiais militares, quando se lhes
cobra produtividade, fazer o quê? Prender e
apreender drogas e armas. Prender que tipo
de transgressor? Atuar contra quais delitos?
Se o dever é produzir, se produzir é sinônimo
de prender e se não é permitido investigar,
o que sobra? Prender em flagrante. Quais
são os crimes passíveis dessa modalidade de
prisão? Aqueles que podem ser identificados,
empiricamente, pelos sentidos, a visão e a
audição, e que ocorrem em espaços públicos.
Não é o caso de lavagem de dinheiro e da
maior parte das transgressões perpetradas
por criminosos de colarinho branco. O
varejo que supre a cota de prisões da PM é
composto por personagens que agem na rua,
cuja prática também segue a lógica do varejo:
batedores de carteira, pequenos vendedores
de drogas ilícitas, assaltantes de pontos de
comércio, ladrões de automóveis etc. Quais
são, em geral, os atores sociais que cometem
esses delitos? Com frequência, jovens de
baixa escolaridade, pobres, moradores
das periferias e favelas. (,,,) O nome desse
processo é criminalização da pobreza.
O trecho acima, publicado no blog
da editora Boitempo, é da lavra de Luiz
Eduardo Soares, escritor, cientista político
e antropólogo. Foi secretário nacional de
Segurança Pública durante o Governo
Lula e secretário de Segurança Pública
do Estado do Rio de Janeiro durante o
Governo Garotinho. Foi ele quem cunhou o
termo “banda podre” para classificar parte
da polícia fluminense.
A lógica do prêmio por flagrante, é
pacífico, tende a oprimir a população
mais humilde que às vezes comete ilícitos
por falta de alternativas de sobrevivência.
A questão é: como uma polícia pouco
treinada, mal remunerada e mal equipada
pode combater o crime sem violar direitos
humanos? Concomitantemente, situações
crônicas como a do Rio de Janeiro exigem
operações contundentes, mas quem está
preparado para tais ações? O Exército? Um
mês após o início da intervenção no Rio,
não há sinal de que os militares possuam
know-how para tanto.
O primeiro legado importante da
intervenção federal via Exército no Rio de
Janeiro foi a execução da vereadora do
Psol Marielle Franco e do seu motorista,
Anderson Pedro Gomes, em uma
emboscada no bairro do Estácio de Sá. O
caso, de apuração ainda inconclusa se não
incipiente, ganhou repercussão mundial
– Marielle era uma estridente defensora
dos direitos da população moradora
das favelas e contumaz denunciante de
abusos policiais e da atividade de milícias.
Observe-se que a vereadora, em diversas
ocasiões, também saiu em apoio a famílias
de policiais assassinados.
Num breve parêntesis, vale registrar
que, de janeiro a março de 2018, conforme
reportagem do jornal “O Estado de São
Paulo”, 12 ativistas sociais foram mortos
em aparentes crimes de mando no Brasil.
Nos últimos cinco anos, foram 194.
A intervenção federal via Exército, para
alguns uma forma de o presidente Michel
Temer apossar-se da bandeira eleitoral da
segurança pública, foi duramente criticada
pela ONU e pela Anistia Internacional,
com base em experiências anteriores
fracassadas.
“O uso repetido de força letal sugere o
fracasso do governo brasileiro em tomar
medidas de precaução para impedir a
perda de vidas”, diz comunicado interno da