
justificação. Ao decidir, o juiz tem que justificar. Claro, ele pode ter uma preferência ideológica,
ele pode ter uma inclinação corporativa, ele pode ter uma sensibilidade mais religiosa, ele
pode valorizar o aspecto moral. Mas ele tem de construir uma justificativa, e pela justificativa
do juiz você pode questioná-lo. A justificativa do juiz pode ser a base de um novo recurso.
Eu tenho publicado no “Estado de S. Paulo” uma série de artigos sobre hermenêutica jurídica,
sobre como se interpreta a lei. O que eu tento dizer ao meu leitor não afeito às técnicas
jurídicas é que não existe, primeiro, a interpretação neutra; segundo, não existe a literalidade
da lei – toda lei embute um texto, e esse texto tem um significado que pode variar conforme
o intérprete e o próprio perfil social do legislador.
Eu dou uma aula no Largo São Francisco em que eu lembro um grande desembargador do Rio
Grande do Sul, que depois foi um grande político, também trabalhou com a mídia. Ele dizia
basicamente o seguinte: eu não posso pegar as palavras pelo seu sentido no dicionário; eu
tenho que buscar as implicações semânticas, o sentido que o léxico de determinada palavra
tem numa comunidade. Eu costumo brincar com meus alunos: se vocês me chamarem
de baixinho, vocês estão me agredindo moralmente ou não? A reação que eu vou ter vai
depender da minha cultura, da minha religião, dos meus valores. Ou seja, o tempo todo
eu tenho que trabalhar com a ideia de que a interpretação sempre tem um componente
subjetivo – não existe uma interpretação totalmente objetiva. Por isso parte-se do princípio
do duplo grau de jurisdição, ou seja, sempre admite-se que alguém pode errar.
REVISTA DA CAASP 19
Alguns juízes não parecem adotar
paradigmas diferentes conforme o réu?
Essa é uma das grandes dificuldades
da justiça brasileira, mas não se pode
generalizar. Nós temos algo em torno de
18.500 juízes e esses juízes têm diferentes
idades. Em determinado momento,
você pode perceber que há um conflito
intergeracional dentro da magistratura.
E você pode perceber que há juízes que
eventualmente vão evoluindo e outros
que são pragmáticos, que conforme a
sua convicção adotam um modelo de
hermenêutica e mudam esse modelo da
mesma maneira com que mudamos de
gravata.
Eu precisaria de dados empíricos para
responder à sua pergunta. Se nós olharmos
para a magistratura, somente nos últimos
10 ou 20 anos ela começou a melhorar
a qualidade dos seus bancos de dados.
Deixe-me dar como exemplo o julgamento
na Segunda Turma do Supremo do caso
das mulheres lactantes, que estão grávidas
EU POSSO, DO
PONTO DE VISTA
CIENTÍFICO, SEPARAR
DIREITO E MORAL,
MAS NA APLICAÇÃO
DO DIREITO EU
NÃO CONSIGO
TRANSCENDER
DETERMINADOS
CONDICIONAMENTOS.
ENTREVISTA | JOSÉ EDUARDO FARIA