
e você tinha um outro PT na época, que, embora não tivesse um número expressivo de
constituintes, tinha um grupo de deputados extremamente combativo, e no embate eles
cresceram e empataram o jogo com o Centrão, que numericamente era maior.
Você tinha uma situação de impasse num contexto de transição. Foi feito um grande
acordo, algumas coisas que tinham consenso foram normatizadas com normas de sentido
fechado, claras. Naquilo que de certo modo havia dissenso, não foi admitido haver dissenso
publicamente – trabalhou-se com princípios, com texto mais aberto, condicionando a uma
lei regulamentar no futuro.
O que eu quero dizer é que a Constituição, ao contrário do que se diz, foi extraordinariamente
capaz de se adequar à realidade de uma sociedade que tinha passado 20 anos sob o
autoritarismo, uma sociedade em transição, uma sociedade conflitiva, uma sociedade
heterogênea, tanto que se nós olharmos as histórias das Constituições republicanas, a atual
Constituição é uma das mais longevas. E quando nós olhamos, primeiro, do ponto de vista
das instituições, esta Constituição foi capaz de suportar vários testes de estresse.
O que eu pergunto é se essas mudanças atuais foram devidamente discutidas com a
sociedade, principalmente porque não constaram de plano de governo nenhum que fosse
eleito.
Não sei se foram discutidas, mas de alguma maneira, lá atrás, deixaram devidamente
claro um rumo. E esse rumo foi inteiramente baseado numa discussão muito forte entre
legitimidade, portanto reivindicação de direitos, e governabilidade, portanto autoridade
monetária na época. Você vai perceber que esse era o debate europeu. O debate europeu
em 1989 era entre legitimidade e governabilidade: mais direitos ou austeridade monetária?
A Constituição foi escrita num momento em que essa polêmica estava no auge.
Então, eu gosto muito de separar e dizer o seguinte: do ponto de vista político, ela consegue
superar todos os testes de estresse. Do ponto de vista de setores – e aí tem educação,
previdência, assistência social -, você pode fazer essas mudanças, e essas mudanças têm
que ser feitas e têm que ser adequadas a partir de uma discussão com a sociedade e a partir
de um projeto de poder.
Mas a austeridade monetária não precisa chegar ao ponto de destruir certos direitos
fundamentais, não?
Você está trazendo uma questão que envolve uma discussão mais ampla. A questão que se
coloca é: como você vê o direito? Você vê o direito como uma conquista civilizatória ou você
vê o direito a partir também dos seus custos? Quem paga pelo seu direito?
Essa é uma discussão, ainda que importante, relativamente nova na Teoria do Direito. Você
tem dos anos 80 para cá movimentos mais conservadores que dizem exatamente o seguinte:
“olha, pode ser o direito uma conquista civilizatória, mas quem o paga?” Por outro lado, se
você vai examinar o comércio internacional, percebem-se alguns problemas complicados.
Por exemplo, países asiáticos que são verdadeiras ditaduras, muitas vezes usam a negação
dos direitos como uma espécie de dumping em cima das democracias ocidentais – a China
trabalhou com isso; Vietnã e Coreia trabalharam com isso. Você nega alguns direitos e no
custo final de um serviço, ou de um bem exportado num mercado mundial globalizado, você
toma espaço, por exemplo, dos calçados e dos brinquedos brasileiros, em que você tem que
REVISTA DA CAASP 25
ENTREVISTA | JOSÉ EDUARDO FARIA