
ou têm filhos de até 12 anos. Os ministros do Supremo trabalharam com dados do Conselho
Nacional de Justiça e os dados revelaram existir algo como 622 mulheres grávidas em 1.478
estabelecimentos penais no Brasil. No mesmo dia em que os ministros trabalham com
esse dado, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais diz que são 4.700 mulheres grávidas
ou lactantes ou com filhos menores de 12 anos em estabelecimentos penais no Brasil. A
diferença é de quase 10 vezes!
Ou seja, o Conselho Nacional de Justiça trabalhou com as suas pesquisas e apurou um
número de 622, e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que é seríssimo, apurou um
número quase 10 vezes maior.
Além de mais de 80% das decisões do STF serem monocráticas, muitas vezes elas divergem
umas das outras em casos idênticos, quando não contradizem orientação do próprio
colegiado. Qual a gravidade disso?
Eu já publiquei ao menos dois artigos aqui no “Estado de S. Paulo” sobre isso. Vamos por
enquanto trabalhar com a ideia dos votos em sessão colegiada. Nos votos em sessão colegiada,
o Supremo, com 11 ministros, pode ter decisões com maioria simples, por seis a cinco. O que
você pergunta, e que eu, como sociólogo do Direito, verifico, é que muitas vezes você tem
uma decisão vencedora, de seis votos, em que os argumentos desses autores vencedores
são discrepantes entre si. Em vez de você construir uma solução orgânica, coerente,
doutrinariamente sistêmica, em que os votos vencedores convergem para uma tese jurídica, o
que você tem é que um disse uma coisa, outro disse outra coisa, outro disse uma terceira coisa,
e você não tem uma maioria orgânica – você tem um resultado aritmético, seis contra cinco.
Esse é um dos mais graves problemas que o Supremo atualmente enfrenta.
A outra questão, que você coloca, é também muito preocupante – o crescente número de
decisões monocráticas. Você subtrai do órgão colegiado a autenticidade dele, a legitimidade
dele. Outro problema é que, pela situação atual, pelas estruturas internas do Supremo, por sua
estrutura regimental, os ministros têm, além das decisões monocráticas, têm a prerrogativa de
pedir vista, às vezes interminavelmente...
...o que pode equivaler a uma decisão monocrática.
Não apenas acaba sendo uma decisão monocrática, como, primeiro, pode alterar a pauta do
Supremo, pode criar situações de fato. Se você olhar a questão do auxílio-moradia, quando
em 2014 o ministro Fux dá uma liminar e pede vista, o relator era o ministro Carlos Ayres
Britto, hoje aposentado. Fux dá uma liminar, estende para toda a magistratura o auxílio-moradia
e senta sobre o processo. Se não fosse a reação dos jornais e da sociedade civil, ele
teria criado uma situação de fato.
Essa forma de decidir corrói um pouco a ideia da democracia, corrói a ideia do Estado de
Direito. Ela tem algum efeito corrosivo, o que é preocupante. O professor Joaquim Falcão
chama isso de “síndrome das 11 ilhas”. O próprio ex-ministro Sepúlveda Pertence, hoje
advogado do ex-presidente Lula, também já usou essa expressão. Aliás, ele foi o primeiro a
usá-la. Quer dizer, não se tem a construção orgânica de uma vontade majoritária dentro do
Supremo.
Como construir no Supremo essa capacidade de apresentar soluções orgânicas?
É um processo complexo. Primeiro, isso tem de ficar atrelado a uma melhoria na formação
20 REVISTA DA CAASP
JOSÉ EDUARDO FARIA | ENTREVISTA