
Primeiro, no Brasil você tem um problema. Na importação dessa figura jurídica, há diferentes
atores podendo fazer essa delação, e na medida em que você tem vários atores podendo
confirmar essa delação, negociar essa delação, é difícil harmonizar o trabalho de confirmação,
porque você tem no Ministério Público uma visão de mundo, na Polícia Federal outra visão de
mundo, na Advocacia-geral da União outra visão de mundo, você tem interesses corporativos
e coisas desse tipo.
Segundo, essa doutrina é nova no Brasil, portanto você tem um instrumento que pode estar
sendo bem usado ou mal usado, mas no fundo você tem de lembrar que pode ser que nem
mesmo os operadores jurídicos tenham a experiência necessária para lidar com a delação
premiada.
Em terceiro lugar, você tem razão na sua pergunta. Pode ser que haja abusos em alguns
momentos. Eu já vi casos de denúncias de que alguns procuradores mantêm o sujeito preso
até delatar, ou fazem ameaças, ou fazem propostas de acordo e coisas desse tipo. Mais uma
vez, em vez de jogar a água do banho com a criança, eu prefiro trabalhar com a ideia de um
processo de experimento, erro e acerto. Eu acho que nós estamos numa fase muito tensa,
de erro e acerto. Portanto, nós estamos numa fase de experimento.
Nos meus artigos eu tenho citado muito a frase de um
juiz americano que, na virada do século, dizia: a vida de
Direito não é lógica; a vida de Direito é experimento.
Em outras palavras, a vida de Direito é erro e acerto.
Se ficarmos no mesmo lugar, nós nos tornamos
anacrônicos, porque a sociedade evolui. Por outro
lado, nós não podemos acompanhar a evolução da
sociedade mudando o Direito diariamente, porque
O DIREITO TEM
assim nós perderemos o marco de referência, o
O SEU TEMPO, A
marco de segurança e o marco de referência. É entre
esses dois polos que nós temos de gravitar.
POLÍTICA TEM
O SEU TEMPO.
Quando eu digo que está ocorrendo uma mudança
MAS HÁ UM
de paradigma, esse é um problema que eu tenho
de observar, e vocês advogados, vocês juízes, vocês
MOMENTO
promotores, têm de estar atentos a isso, têm de
- E ESSE É O
avaliar isso, quais são as implicações positivas e
MOMENTO
negativas. Antes de fazer um juízo de valor, eu tenho
DOS TRIBUNAIS
de fazer um juízo de fato.
SUPERIORES
O combate à corrupção justifica derrubar uma
- EM QUE O
cláusula pétrea da Constituição, como a presunção
DIREITO E A
de inocência? Eu me refiro à prisão após condenação
POLÍTICA SE
em segunda instância.
APROXIMAM.
Na primeira vez em que discuti isso, eu concordei
com você. Mais ou menos em 2010, eu acompanhei
quando essa discussão de tornou mais presente
nos tribunais brasileiros. Eu comecei a perceber
com clareza essa discussão sobre a necessidade de
16 REVISTA DA CAASP
JOSÉ EDUARDO FARIA | ENTREVISTA