
cumprimento prévio da pena. Você pode discutir isso do ponto de vista teórico e do ponto
de vista concreto.
Do ponto de vista teórico, a presunção de inocência é uma cláusula pétrea, uma garantia
fundamental. Mas quando você começa a agregar, por exemplo, pesquisa empírica, você vai
perceber que de cada 100 casos levados ao Supremo em que houve a possibilidade prisão
após julgamento em segunda instância, o percentual de decisões alteradas é mínimo.
Mas já não será gravíssimo se houver uma única pessoa encarcerada injustamente?
Eu concordo com você. Só que, num determinado momento, lida-se com escalas diferentes.
As nossas construções jurídicas foram feitas para outro tipo de escala.
Eu costumo chamar a atenção dos meus alunos para o fato de que a minha formação, a
formação da minha geração – eu estou com quase 70 anos - é a formação de um país que
tinha uma sociedade relativamente estável, de média complexidade. Hoje, nós temos um
país heterogêneo, de altíssima complexidade, onde cada vez mais as respostas do Estado
têm que ser rápidas – rápidas e eficientes.
Nós estamos vivendo um processo de transição de paradigmas.
Essa realidade não se aproxima de um Estado de exceção?
Não acredito. Aproxima-se no sentido de fazer um processo de experimento, de erro e acerto.
Se você não tiver esse processo de erros e acertos, não se troca de paradigma, e se você
ficar um paradigma jurídico-penal mais antigo numa sociedade mais dinâmica e globalizada,
num determinado momento haverá a contrapartida, ou seja, o caos institucional, a falta de
autoridade do poder do Estado.
Eu quero deixar claro que, num primeiro momento, os sociólogos do Direito estão tentando
mapear o problema. O que eu estou fazendo é observar.
Permita-me uma metáfora. Imagine que as técnicas de análise clínica da medicina melhoraram
muito. Eu tenho um irmão que é oncologista e vejo muito isso conversando com ele. Ele me
diz que, antigamente, a gente detectava um tumor maligno nas pessoas, na média, numa
faixa etária de 60 e poucos anos. Era uma época em que aos 60 anos já poderíamos nos
considerar muito envelhecidos. A melhoria da técnica das análises clínicas foi tão grande que
você tem exames clínicos que podem indicar se você vai ter um tumor maligno no futuro...
A atriz Angelina Jolie submeteu-se a mastectomia ao ser informada de sua alta probabilidade
de desenvolver câncer de mama no futuro.
Matematicamente, com toda frieza, ela olhou para frente e tomou uma decisão de proteção.
O médico da Angelina Jolie, quando disse que ela teria alta possibilidade de ter câncer, estava
contra ela? Estava condenando-a a morte?
Um sociólogo do Direito tem esse mesmo problema. Quando digo que estou observando uma
troca de paradigmas eu não estou justificando a troca, eu estou indo fazer uma análise para
saber o que é que levou a essa troca de paradigmas, quais os custos que essa troca implica
em matéria de direitos e garantias. E eu tenho de ter uma análise histórica da evolução do
próprio Direito.
A Teoria dos Paradigmas mostra que não há uma evolução natural entre um paradigma e
REVISTA DA CAASP 17
ENTREVISTA | JOSÉ EDUARDO FARIA