que ele gera na Europa, seja pela força da intolerância do fundamentalismo religioso, que
não vai desaparecer mesmo com a diminuição do espaço físico ocupado pelo Estado Islâmico
e pela aspiração da criação desse califado.
Eu acho que a violência tende a ser algo que permeia o mundo. Minha mestra Hanna Arendt
dizia que a violência não cria o poder, mas ela destrói o poder. Justamente o que esses
movimentos conseguem através das redes sociais é destruir o poder. Para esses movimentos,
não desaparecer já é uma vitória. Para quem os combate, sua derrota total é o único objetivo
importante, e é aí que eu vejo essas dificuldades todas.
Nós vivemos em uma época de muitas rupturas, uma delas, naturalmente, é a era digital, o
ciberespaço. Esses movimentos só podem operar porque existe esse ciberespaço e porque
existe essa capacidade enorme de armazenar a transmitir informação, que permite haver
essa capacidade de atuação. Com graves riscos.
As arcana seditionis levam às arcana dominationis do Estado, para usar uma expressão latina,
como convém a um professor de Direito.
O senhor citou Hannah Arendt. O pensamento dela permanece atual?
Eu continuo achando que, passados já vários anos do seu falecimento, ela continua sendo
uma pensadora que nos ilumina. (Italo) Calvino dizia que clássico é aquele autor que nunca
termina de dizer aquilo que tem para dizer. Eu acho que Hannah Arendt é assim na sua análise
da ação, na sua análise do poder como ação conjunta, na sua análise da responsabilidade e
do juízo.
Uma das coisas que ela diz é que, numa época de universais fugidios, não dá para você
entender a realidade aplicando uma regra geral a um caso concreto. Porque não existe essa
regra geral! Então, a partir do caso concreto, você precisa encontrar o seu significado e o seu
alcance geral.
Quando se deu a queda do muro de Berlim, eu escrevi um artigo dizendo: o mundo mudou.
E de fato tinha mudado, porque o mundo estava organizado em torno de Leste-Oeste, Norte-
Sul. Quando houve os ataques terroristas aos Estados Unidos, eu escrevi um novo artigo,
então eu era ministro. Eu escrevi que o mundo mudara porque o eixo, que antes parecia ser
um eixo de cooperação e entendimento, passara a ser um eixo de insegurança. Eu acho que
é o que hoje ocorre: você tem uma certa balcanização do mundo e, ao mesmo tempo, uma
regionalização das instâncias que devem lidar com um mundo cada vez mais complexo.
Talvez a questão mais importante para o futuro da humanidade seja a climática, o aquecimento
global. Sobre esse tema há inúmeros fóruns, organismos e debates. Mas, e quanto a ações
concretas?
Eu acho que o tema do meio ambiente veio para ficar, é parte da agenda internacional. O
acréscimo do conhecimento torna indiscutível a importância da agenda ambiental, em que a
mudança climática é o mais óbvio. E no capítulo da mudança climática, a matriz energética.
Por isso a posição do Trump é tão absurda e desarrazoada.
Trump privilegia abertamente as empresas que exploram combustíveis fósseis.
Sem nenhum pudor.
Eu acho que o acordo que se obteve em Paris é importante, acho que foi uma maneira
14 REVISTA DA CAASP
CELSO LAFER | ENTREVISTA