58 REVISTA DA CAASP
É possível um homem de 40 anos
apaixonar-se por uma menina de 12?
Onde fica o limite entre o moral e o
imoral? Entre o amor obsessivo e a luxúria
destemperada? Ninguém está acima do
sexo, segundo Philip Roth. Então quem
está apto a julgar - ou julgar-se a si próprio
- mediante tais pecados? Em 1955, quando
Vladimir Nabokov conseguiu publicar
Lolita, os leitores ficaram imediatamente
tentados a condenar Humbert Humbert,
o pedófilo mais famoso da literatura. Mas
defrontaram-se com uma tarefa muito
difícil. Hoje, passadas mais de seis décadas,
não ficou mais fácil.
Para aqueles que esperavam cenas
lúbricas, Lolita foi uma decepção. O livro
tem todos os elementos de um best-seller,
uma história de amor castigado por
desprezo, obsessão humilhada pela malícia,
maturidade vencida pela adolescência.
Humbert Humbert, um europeu de bons
modos, professor de literatura, narra em
primeira pessoa, com toques de lirismo,
humor e sombras como veio a conhecer
e apaixonar-se por Dolores Haze, uma
menina de 12 anos bastante comum,
exceto talvez em sua perspicácia. Com
sua linguagem, transforma uma história
assustadora de amor e assassinato em um
apelo à empatia do leitor. O valor da obra
está muito além do debate sobre pedofilia:
é uma demonstração de como a linguagem
na literatura tem o poder de atravessar
camadas de cultura, religião e vivência.
O domínio da palavra era uma herança
de várias gerações na família Nabokov.
Foi a arma que salvou a família três
vezes exilada. Na Rússia tzarista, seu avô
e seu pai arriscavam seus altos cargos
em nome da liberdade individual e das
minorias, combatiam a censura e o
antissemitismo de estado. Em 1919, com
suas vidas ameaçadas após a revolução
bolchevique, emigraram para Londres,
onde o jovem Vladimir, trilíngue desde a
primeira infância, graduou-se em Zoologia
e Letras. O exílio da pátria e do idioma teve
profundo efeito sobre sua obra, não como
uma perda melancólica, mas como visão de
mundo - acentuou sua crença na liberdade
individual a qualquer custo.
Em 1922 a família mudou-se para Berlim,
onde pouco tempo depois
seu pai, ao defender um
amigo, foi assassinado por
um monarquista russo. O
jovem Vladimir já havia se
tornado conhecido como
autor e para sobreviver
dava aulas de idiomas, de
tênis e de boxe, mas seu
círculo era principalmente
de emigrés e refugiados,
entre os quais conheceu
Vera Slonim, a quem
desposou e com quem
teve seu único filho,
Dmitri. Em 1937, ao sentir
Nabokov e Lolita: uma história de amor castigado por desprezo, de
obsessão humilhada pela malícia.
LITERATURA
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