nosso predador insiste que se
contentaria com um amor sem
sexo. Tenta sedar Lolita para
poder acariciá-la sem que ela
saiba, e tenta convencer o ‘júri’
leitor que jamais iria estuprá-la.
Mas o perigo é muito maior do
que isso. Ao levar Lolita nessa
viagem, ele já violentou sua
infância e matou a Lolita que
existia.
O leitor se pergunta, aflito,
como pode terminar isso? Mal,
muito mal. Humbert engana o
leitor exatamente como Lolita o
enganou: há mais uma história
se desenvolvendo aqui, bem
debaixo do seu nariz. Desde o começo
da relação com Charlotte, existe um
personagem periférico nas sombras: Claire
Quilty, um dramaturgo também pedófilo
de reputação criminosa. Ele é sobrinho de
um dentista conhecido de Charlotte, mas
passa várias vezes pela vida de Humbert
e Lolita, até descobrirmos que na verdade
ele nunca esteve longe, desde a infância
da garota. É com ele que Lolita foge aos
14 anos, escapando para sempre de um
predador para cair nas malhas de outro. E
ela vai em seus próprios termos: em troca
de favores sexuais, consegue a permissão
de Humbert para participar do teatro na
escola, e pouco a pouco trama uma nova
viagem para que Quilty possa levá-la sem
que Humbert saiba quem foi. Humbert só
irá encontrá-la anos mais tarde, grávida
e muito pobre, casada com um homem
simples, aparentemente verdadeiro. E ela
morre logo após o parto. Não há felizes
para sempre.
Nabokov tinha hobbies, aos quais se
dedicava de forma profissional, o que se
reflete neste romance e em outras obras
suas. Era um zoólogo com profundo
conhecimento de borboletas - há uma
REVISTA DA CAASP 61 LITERATURA
Na Rússia tzarista, pai e avô de NaboKov defendiam a
liberdade.
sala no New York Museum of Natural
History dedicada às suas coleções. O
delicado inseto também aparece em
diversas referências em Lolita, seja como
descrição da fragilidade da garota, seja
como o aprisionamento feito pelo próprio
Humbert. Nabokov jogava tênis e até dava
aulas - também no livro, personagens usam
o jogo de tênis e o xadrez para dissimular
suas verdadeiras intenções.
Apesar de seu desprezo confesso por
psicanálise, Nabokov deixa inúmeras
pistas sobre a verdadeira essência de seus
personagens com símbolos de grande peso
psicanalítico. O conflito com o duplo de si,
entre Humbert e Quilty, começa sutilmente,
mas a sombra de Quilty se agiganta até
engolir Lolita. Quando Humbert vai à casa
de Quilty para vingar-se, engalfinha-se
em luta até que ambos parecem um só:
um caso clássico de matar um lado de si,
Humbert sendo frações de graus menos
depravado do que Quilty. O teatro e a
prisão funcionam como portais para uma
mudança essencial na relação de poder
dos personagens: quando Lolita começa a
participar do teatro da escola, sob a tutela
Arquivo C.J.