
A NOVA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS
NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO:
UMA BATALHA VENCIDA, OUTRAS POR VIR
Quando aluno, estranhava que a lei continente das pautas de interpretação se
denominasse Lei de Introdução ao Código Civil. A sinédoque da designação antiga refletia
uma época em que a lei civil (mais até que a Constituição) era o eixo vetorial do nosso
sistema jurídico. O tempo passou e a lei foi rebatizada para refletir seu amplo espectro de
incidência. Mas seu conteúdo seguiu restrito aos problemas de interpretação do século
passado.
O Direito hoje, porém, é bastante diferente. Dois fatores ressaltam. A legalidade
contemporânea vai muito além da lei em sentido estrito. Hoje, convivemos com uma
pluralidade de fontes normativas, sendo mais correto se falar em Bloco de Legalidade.
Some-se o fato de que a complexidade da regulação faz as prescrições serem mais
abertas, menos precisas. O segundo fator é a multiplicação de polos legitimados para
aplicar o Direito. A par da inafastabilidade da jurisdição, é incontroverso que, hoje, o
Direito é aplicado, de forma exauriente, por uma miríade de órgãos estatais. Cortes de
contas, agências reguladoras, tribunais administrativos, todos aplicam o Direito e, para
isso, interpretam as normas com crescente margem de liberdade.
Atentos a esses fatores, já há algum tempo eu e Carlos Ari Sundfeld, academicamente,
vínhamos discutindo estes assuntos. Daí resultou um anteprojeto de lei, endereçando
soluções para essas questões. O Senador Anastasia encampou a iniciativa. O Projeto
tramitou, por mais de três anos, no Congresso, com audiências públicas e debates. Em
paralelo, tanto eu como Sundfeld participamos de vários eventos, discutindo a proposta.
Textos com essas idéias aprofundadas foram publicados por ambos, com pouquíssima
crítica ou oposição. Enviado à sanção, iniciou-se uma batalha renhida pelo veto. Alegou-se
a falta de discussão, ser uma iniciativa ardilosa para ceifar o controle, até quem afirmasse
padecer de “inconstitucionalidade enlouquecida”. A favor do projeto se uniram os nomes
mais significativos do direito público e os principais economistas do pais, de todas as
matizes. As criticas se mostraram insustentáveis e o projeto, na sua essência, converteu-se
na Lei n° 13.655/18.
Vigente a lei, analisemos seu conteúdo. Fortes são os objetivos de evitar a
abstração do intérprete e exigir dele algum compromisso com as consequências de suas
atribuições. No Direito contemporâneo, cada vez mais, decisões se baseiam em valores
abstratos, princípios ou não. Isso é inevitável e necessário, mas não pode convolar num
voluntarismo hermenêutico, manejado inconsequentemente. O art. 20 impõe a todo
decisor um ônus argumentativo. Se a decisão se fundamenta em valores abstratos, à
motivação deverá ser somada uma análise suficiente das consequências cogitadas,
inclusive, com demonstração comparativa das alternativas. Mesmo que não se baseiam
REVISTA DA CAASP 71 OPINIÃO
Floriano de Azevedo Marques Neto*