
Kamble (Shathidar), herói um tanto
quixotesco.
52 REVISTA DA CAASP
Em “Tribunal” não há armações
maquiavélicas da acusação nem lances
espetaculares da defesa. Há, isto sim,
uma cruel lentidão da Justiça, magistrados
desinteressados, audiências que só
servem para agendar a audiência seguinte,
instalações forenses caindo aos pedaços. A
genialidade de Tamhane, logo na sua obra
de estreia, está em transmitir pelo ritmo das
cenas a ansiedade provocada pelo ritmo
da Justiça. Há vários planos-sequência em
tempo real, angustiantes como o dia a dia
de quem aguarda uma sentença – é assim
que se provocam sensações por meio de
linguagem cinematográfica.
Narayan Kamble (Vira Sathidar) é um
cantor que se apresenta em bairros pobres
de Mumbai, uma espécie de rapper oriental
a bradar contra o sistema – um subversivo
aos olhos do establishment, principalmente
se levada em conta sua ficha pregressa de
militante político. Kamble, aos 65 anos, é
preso sob acusação de levar um trabalhador
ao suicídio, instando-o a tanto com a letra
de uma de suas músicas. Bobagem. O
operário era um alcoolista contumaz, que
bebia para suportar o trabalho insalubre
no sistema de esgotos da cidade. Morreu
bêbado e intoxicado dentro de um bueiro.
O advogado de Kamble, o jovem Vinay
Vora (Vivek Gomber), é um criminalista
idealista especializado em Direitos
Humanos. Busca ao menos a estipulação
de fiança para libertar provisoriamente
seu cliente, contra quem recaem
apenas acusações sem provas – sim, o
encarceramento sem prova material de
culpa parece estar na moda também
na Índia. Vora esbarra na verborrágica
promotora Nutan (Geetanjali Kulkarni) e na
absoluta falta de envolvimento intelectual
do juiz Sadavarte (Pradeep Joshi) com o
processo. O magistrado apresenta uma
irritante apatia nas audiências, apegando-se
a filigranas processuais e deixando
de lado a questão central, uma acusação
abstrata de incitação ao suicídio.
O cinema oriental em geral, a exemplo
de um certo cinema europeu, mas não
de todo ele, ocupa-se daquilo que se
pode chamar de arte cinematográfica.
Abdicando da tecnologia como fim,
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CINEMA
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