
hermenêutico encontra limites no texto, e no
caso da presunção de inocência, o texto não
admite gradações. Acho ruim a concepção de
trânsito em julgado adotada da Constituição,
mas pior fica se o STF puder mudá-la por sua
conta.
O STF fala como se fosse legislador, portanto.
Ele se veste de legislador num tema em
que não há muito espaço para criatividade
hermenêutica. Não quero sugerir que o STF,
em qualquer tipo de avanço ou interpretação
criativa, estaria necessariamente usurpando
o papel do legislador. Existe na interpretação
constitucional um ingrediente legislativo
maior ou menor, e a gente tem que se
acostumar com isso. Essa dicotomia rígida
e ingênua entre legislar e adjudicar é muito
simplista e muito abusada para fins retóricos
e políticos.
De todo modo, nesse caso especifico do
trânsito em julgado, previsto no Artigo
5º da Constituição, não tem muito como
contornar. Mudar a exigência de trânsito em
julgado para execução da pena em função
da disfuncionalidade do sistema... ora, se
o sistema é disfuncional, é preciso mudá-lo.
Eu concordo com o diagnóstico de que
o sistema é disfuncional, mas nem toda
disfuncionalidade pode ser corrigida pelo
Judiciário.
Algumas leituras da norma constitucional
não mostram um extremo contorcionismo
retórico por parte de ministros do Supremo?
Um contorcionismo que recorreu de maneira
marota e inapropriada à linguagem dos
princípios. Quando você classifica um direito
fundamental como um princípio, você está
dizendo que ele pode ser sopesado. A ideia
do trânsito em julgado passou a ser sopesada
com a ideia de efetividade do sistema penal.
Isso é um barbarismo interpretativo, porque
em primeiro lugar a exigência de trânsito em
julgado não é um princípio.
A gente pode até imaginar que a solução
para colisões entre direitos ocorram por
sopesamento. Nesse caso não há colisão
nenhuma. Nesse caso há uma proibição
de execução da pena antes do trânsito em
julgado.
Para voltarmos ao ponto original, eu não
tenho nada contra um paradigma mais efetivo
e moderno de combate à corrupção, mas esse
paradigma não joga fora certas garantias.
Vamos repensar o sistema recursal? Vamos
repensar, mas acho mais honesto e coerente
repensar o aperfeiçoamento do sistema
processual brasileiro como um todo.
A gente está incorrendo numa armadilha
perigosa, que é de morder a isca dessa histeria
anticorrupção, e começamos
a simplificar o sistema penal
como se o sistema processual
como um todo não devesse
ser simplificado. A ideia de
ampla defesa e contraditório,
pelo sistema processual
brasileiro, foi levada às
últimas consequências para
benefício de quem tem
bons recursos para pagar
advogado. O próprio Estado
se beneficia demais disso.
Liminares contrárias a
SEJA NO DIREITO PENAL, SEJA
NAS OUTRAS ÁREAS DO DIREITO,
TEMOS QUE REPENSAR O SISTEMA
RECURSAL BRASILEIRO.
CONRADO HÜBNER MENDES | ENTREVISTA 10 REVISTA DA CAASP