
Enfim, é tão abundante e permanente a
prática de improbidade judicial que a gente
acaba naturalizando.
Vamos falar um pouco de economia e
Constituição, temas sobre os quais o senhor
também tem escrito. Por mais que se use
como argumento um pragmatismo fiscal,
não se está violando a Constituição com
medidas econômicas que, por exemplo,
congelam gastos públicos com a saúde?
Políticas econômicas podem violar direitos
de diversas maneiras. Inviabilizar o seu
financiamento por meio do congelamento
de gastos é uma delas. Isso não equivale
a fazer pouco caso dos desafios fiscais do
Estado, nem abraçar acriticamente qualquer
direito tido como “fundamental”. Mas ignorar
o lugar prioritário dos direitos fundamentais
frente a outros interesses fiscais do estado,
por meio de uma forma monoliticamente
economicista de justificar escolhas estatais,
deixando de lado outras reformas estruturais
distributivas porque politicamente mais
difíceis, é um grande problema. E esses
problemas despertam, claro, indagações
constitucionais.
Acho que esta entrevista não seria o lugar
para uma análise de constitucionalidade das
duas medidas econômicas mais importantes
e controversas do governo Temer - a PEC do
teto de gastos e a reforma trabalhista. Parece-me
muito claro que há retrocessos, mas
nem todo retrocesso pode ser tachado de
inconstitucional sem maiores qualificações.
Há o argumento de que a Constituição
engessa o orçamento, o que também é
verdade.
Existe uma frase antiga, segundo a qual a
Constituição não caberia no PIB, ou de que
a Constituição tornaria o país ingovernável
pelo tanto de obrigações orçamentárias que
ela impõe. É do Sarney, se não me engano.
O fato é que em 30 anos essa Constituição,
por meio dessa ferramenta de criação de
despesas vinculantes, permitiu que certas
políticas sociais, aos trancos e barrancos,
fossem implementadas.
O Sistema Único de Saúde é um sistema
perenemente subfinanciado, e, curiosamente,
um dos sistemas cuja concepção é das
mais avançadas do mundo. O SUS é uma
política pública mais sofisticada que o
próprio sistema de saúde britânico, porém
é subfinanciada. Por ser subfinanciada, tem
ilhas de excelência misturadas com muita
precariedade. Aí, à luz dessa precariedade,
cria-se o senso comum de que o SUS é uma
porcaria e que, portanto, o mundo ideal é um
mundo em que as pessoas possam pagar por
planos privados de saúde.
Eu morei cinco anos no Reio Unido, que tem
um sistema de saúde admirável. Eu ficava
desconfortável ali, porque o modo de nos
relacionarmos com o sistema de saúde no
Brasil, no caso de quem tem dinheiro, é
muito privilegiado. Você vê um médico hoje,
faz todos os exames hoje, tem o diagnóstico
completo hoje, mesmo que você tenha um
probleminha na pele.
REVISTA DA CAASP 17 ENTREVISTA | CONRADO HÜBNER MENDES