Nogueira, disse que “a portaria teve um
lado bom, porque trouxe o conjunto
da sociedade para a discussão”. Leitura
diametralmente oposta fez a então
secretária nacional da Cidadania do
Ministério dos Direitos Humanos, Flávia
Piovesan, que deixou o cargo. Em evento
na sede da OAB-SP, entidade da qual é
conselheira, ela declarou: “Fomos todos
surpreendidos com o Diário Oficial da
União do dia 16 de outubro, que trouxe
uma portaria unipessoal adotada no
âmbito do Ministério do Trabalho. O
impacto é desastroso por, de um lado,
ofender e reduzir drasticamente o
alcance do conceito de trabalho escravo,
limitando-o a situações de restrição de
liberdade e de escolta armada, e retirando
do conceito enunciado no Artigo 149 do
Código Penal a condição degradante do
trabalho, bem como a jornada exaustiva.
Portanto, a portaria ofende frontalmente
a legislação penal ao esvaziar dois de
seus componentes, além de contrariar
a Constituição de 1988, pois o trabalho
escravo afeta o valor da dignidade humana,
e de violar os tratados internacionais
ratificados pelo Brasil, sobretudo os da
Organização Internacional do Trabalho”. A
Portaria 1.129 foi publicada dias antes de o
presidente Michel Temer ser salvo no cargo
pela Câmara dos Deputados, em votação
que empurrou para depois do mandato
o andamento judicial das denúncias de
corrupção das quais é objeto. A Frente
Parlamentar Agropecuária - a bancada
ruralista, histórica e indisfarçadamente
contrária às normas de combate ao
trabalho escravo - votou em peso a favor
do presidente.
Às suspeitas de votarem em troca de
benesse legal, assim responderam os
ruralistas: “A portaria vem ao encontro de
algumas pautas da Frente Parlamentar
REVISTA DA CAASP 27 ESPECIAL
Agropecuária e diminui a subjetividade da
análise. No entanto, não participamos de
nenhuma tratativa com o Poder Executivo
nesse sentido”.
Tiago Muniz Cavalcanti, coordenador
nacional da Conaete (Coordenadoria
Nacional e Combate e Erradicação do
Trabalho Escravo), órgão da Procuradoria
Geral do Trabalho, afirma que o problema
atual é a falta de vontade política por
parte do governo de enfrentar o trabalho
escravo. “Ainda que a liminar da ministra
Rosa Weber seja mantida, o governo
tentará de todas as formas impor essa
visão retrógrada do conceito de trabalho
escravo”, observa. E continua: “Além disso,
no Congresso atual, a base governista tem
muita força. O governo poderá modificar o
conceito por vias oblíquas”.
Em contraponto ao teor da famigerada
portaria, Cavalcanti explica que a escravidão
pode ser resumida na apropriação de um ser
humano por outro, algo muito mais amplo
MPT
Cavalcanti, do MPT: “A base governista tem muita
força”.