Faça o favor!”. Eu disse: “Olha, João, se me perguntarem alguma coisa, eu falo”. Quando o
segundo bloco foi aberto, o João intervém e faz uma pergunta para mim. E faz uma segunda
pergunta, faz a terceira, faz cinco perguntas. Assim ele me pôs à vontade.
Depois desse dia fui reencontrá-lo na Copa da Espanha (1982), ele com a mulher e eu com
a minha. Aí foi... nós dois éramos militantes do Partidão (Partido Comunista Brasileiro), ele a
vida inteira, eu mais recentemente, e fizemos uma grande amizade. O maior troféu que eu
digo ter na minha carreira de jornalista está ali naquela parede (aponta para um artigo de
jornal aplicado sobre um quadro): é uma coluna do João Saldanha cujo título é “É isso aí, Juca”.
O jornalismo esportivo romântico morreu?
Como seria recebido hoje um jornalista que escrevesse num jornal ou dissesse na televisão
que o vídeo-tape é burro (como disse o dramaturgo, jornalista e cronista esportivo Nélson
Rodrigues)? Que dissesse: “Se o VT mostrou que foi pênalti, azar dos fatos”?
Nélson Rodrigues, no mínimo, não escreveria no caderno de esportes. Escreveria, virtualmente,
num caderno cultural. Ele poderia tratar também de futebol, mas com essa visão do cronista
absolutamente despreocupado com o fato, até porque ele quase não enxergava.
Tem aquela famosa história de que ele saía dos jogos com o Armando Nogueira, pegava
no braço do Armando e perguntava: “O que nós achamos do jogo?”. O Armando lhe dizia, e
eles iam para a Resenha Facit (famosa mesa-redonda futebolística da televisão nos anos 60). E
ali o Nélson discordava de tudo que o Armando falava sobre o jogo, porque o Armando era
Botafogo e ele era Fluminense.
Assim ele criava todas as figuras que criou, como na frase: “Atrás de uma pelada há uma
tragédia shakespereana”.
O que você acha de jornalistas que fazem merchandising, coisa muito comum na área
esportiva?
O “merchan” é pecado mortal, é o fim do jornalista. Jornalista que se torna garoto-propaganda
deixa de ser jornalista. O jornalista que fala “tome a cerveja tal” me permite imaginar que
quando ele diz que “jogador tal é muito bom” ele está ganhando do jogador como ganhou
da cerveja.
Hoje você tem gente fazendo “merchan” de produtos que são também patrocinadores da
Seleção Brasileira, de empresas que têm um braço que empresaria jogador. Como é que eu
posso acreditar num cara que faz propaganda de um supermercado e esse supermercado
tem um braço que vende jogador, e aí esse cara faz um elogio a esse jogador?
É absolutamente incompatível. É um conflito de interesses tão óbvio que, em última análise,
é uma questão que a gente nem deveria discutir. É como se faz nos Estados Unidos: jornalista
que faz propaganda muda de sindicato, vai para o sindicato dos publicitários.
Você disse a mim, em ocasião passada, que confiou em Fernando Henrique Cardoso e
confiou em Lula, e que se decepcionou com ambos. Poderia explicar as razões?
Eu me decepcionei com Fernando Henrique por razões óbvias. Eu não fui aluno dele, mas
tinha alguma relação com a Dona Ruth. Quando eu entrei na USP Fernando Henrique já
estava afastado da escola, mas ele depois orientou de certa maneira um seminário do qual
eu participei com colegas da faculdade. Eu participei ativamente da campanha dele para
REVISTA DA CAASP 19 ENTREVISTA | JUCA KFOURI