Kohan: violência ligada ao conformismo, produto do medo coletivo.
Em um episódio emblemático, cinco
jovens soldados voltando de caminhão
não se sabe de onde, mas sabe-se que
há muito sem ver uma mulher, oferecem
carona a uma garota muito ingênua
para ajudar-lhe com sua bicicleta. É
um descampado distante de qualquer
habitação. Os soldados, suados, olham-se,
uns aos outros, e o leitor já sabe o que irá
acontecer. Mas torce, intimamente, que ao
menos um deles se oponha à violência que
estão prestes a cometer.
O narrador só usa palavras como
“divertir-se”, “malícia”, “compungida”. Não
há um só grito, correria, golpes. Em seu
lugar, o conformismo, o medo e o silêncio
agudo. Não aparece a palavra estupro, mas
sabe-se que ele ocorrerá, que a menina
ficará destruída e eles, impunes. O silêncio,
em antecipação ao ato hediondo que se
intui, cerca o leitor de suspense. Kohan
constrói essa cena frase a frase; o ponto
de vista é do olhar do narrador, como se
ele fosse “um de nós”. Retira-o da ficção e
o coloca ao nosso lado, sua voz traduz o
REVISTA DA CAASP 69
pensamento do leitor, até em sua dúvida
quanto à ingenuidade da garota:
“Só passa despercebido à garota, ou ao
menos é o que aparenta, a evidente malícia
que contém a frase dos rapazes sobre
‘divertir’se’. De alguma maneira entendemos,
sem precisar que alguém o explique, que
estes soldados tão jovens quanto vigorosos
há muito não veem uma mulher. Ao mesmo
tempo espera-se que acreditemos, por mais
que algo em seu aspecto o desminta, que a
garota da bicicleta em sua curta vida ainda
não conheceu varão.”
Esse narrador é um observador
universal. Não há um só sistema, período,
ou grupo humano em que o homem não
tenha assim se portado, mas há sistemas
que favorecem, por sua repressão e
impunidade, esse tipo de comportamento.
Em vários de seus romances, Kohan tem
personagens revoltados contra o fascismo
LITERATURA