Revista da CAASP Você é um jornalista bem-sucedido, um pai de família amado por filhos
e netos. Por que escreveu um livro de memórias intitulado “Confesso que perdi”?
Juca Kfouri Você me obriga a fazer um spoiler, porque a explicação está no final do livro.
Mas, para mim, a resposta é óbvia. Claro, o título é uma apropriação indébita do (poeta Pablo)
Neruda, do “Confesso que vivi”, mas é também uma homenagem a um cara por quem tenho
profunda admiração, que é o (antropólogo e escritor) Darcy Ribeiro, que sempre disse se
orgulhar das derrotas dele e ter vergonha de estar ao lado dos vitoriosos.
É claro que pessoalmente eu não sou um cara derrotado, profissionalmente eu não sou um
cara derrotado. Mas, se você pensar que aos 17 anos eu comecei uma militância política
sonhando com o Brasil de um jeito, e 50 anos depois eu olho para esse Brasil e constato
que minha carreira como jornalista foi sempre quebrando pedra, pensando num futebol
minimamente decente, num Brasil que não fosse o que é hoje – um mero exportador de pé
de obra –, e que nós não tivéssemos perdido para sempre qualquer perspectiva de sermos
no futebol o que a NBA é nos Estados Unidos, eu não tenho como achar que eu seja um
vencedor.
A confissão da derrota, contudo, não significa uma desistência, porque eu não vou desistir.
Mas eu não tenho a menor dúvida de que eu, ou nós, estamos perdendo.
Uma das suas lutas, contra a corrupção dos cartolas, está agora sendo vitoriosa. Ou não?
Isso é o que todo mundo diz. A desgraça do (ex-presidente da CBF José Maria) Marin, do
(presidente da CBF) Marco Polo Del Nero, do (ex-presidente da CBF Ricardo) Teixeira, do
(ex-presidente do COB Carlos Arthur) Nuzman, não faz a minha alegria. Faria se para
o lugar deles viessem pessoas para dar outro rumo ao esporte. A questão que está
posta não é pessoal – é uma questão estrutural.
A prova disso está na CBF. Saiu o João Havelange, depois veio o genro dele, depois
veio o Marin, depois veio o Marco Polo Del Nero. E na hora em que o Marco Polo Del
Nero cair em desgraça, e certamente cairá, virá alguém escolhido por ele. Mudam só
as moscas.
Os legados da Copa e da Olimpíada estão confirmando as previsões?
Eu nunca tive dúvida, por serem quem são os homens que estavam à frente dos dois
megaeventos, que daria no que deu. Daria em corrupção, daria em superfaturamento,
daria em nenhum aproveitamento posterior.
Durante todo o período em que eu e outros pusemos o dedo nas feridas do que
aconteceria, o que se dizia era que éramos maus patriotas, que padecíamos de
complexo de vira-latas, que éramos fracassomaníacos. É evidente que o sonho de
todo e qualquer jornalista que cubra esportes é ter uma Copa do Mundo na sua casa,
é ter uma Olimpíada na sua casa, mas não aquela Copa do Mundo, e jamais no Brasil
uma Olimpíada até que o Brasil seja um país poliesportivo, um país que perceba que
antes de mais nada esporte é fator de saúde pública e não para ganhar medalha.
Um país que, em 517 anos, sequer tem uma política esportiva, que não entende o
que diz há anos Organização Mundial da Saúde - cada dólar que você investe em
massificação do esporte você poupa três em saúde pública -, um país em que o
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JUCA KFOURI | ENTREVISTA