LITERATURA 70 REVISTA DA CAASP
das multidões, sejam elas de autômatos
fardados, sejam de hordas de torcedores de
futebol. O que angustia seus personagens
é a busca pela liberdade individual, ainda
que seja notoriamente torcedor religioso
do Boca. Sabe que o esporte pode ser um
anestésico, e que como tal tem sido usado
pelas ditaduras, de Roma antiga ao Brasil
moderno, passando pela Alemanha nazista
e União Soviética. A crítica à violência em
sua obra está acima dessa sua paixão.
E a violência nunca está longe. Irrompe
com frequência na vida de quem pensa
estar protegido dela. Ciências morais
relata o papel de María Teresa, uma
jovem inspetora de alunos em uma escola
tradicional de Buenos Aires durante a
Guerra das Malvinas. Em seu afã de mostrar-se
competente, María Teresa esconde-se
no banheiro dos rapazes para descobrir um
possível fumante entre eles. O que começa
como cumprimento do dever torna-se
inconfessavelmente lascivo: a descoberta
da delícia em tocar-se, a repetida volta a
esse cubículo em busca do gozo, a despeito
do lugar infecto, onde certamente os
feromônios dos adolescentes saturam o ar
com mais potência:
“Com o passar dos dias, adquiriu tanto o
costume de se esconder e vigiar no banheiro
masculino que até incorporou o hábito de
urinar lá todas as vezes. Já não espera, como
no princípio, que a vontade a obrigue. Faz,
simplesmente, e até gosta de fazer. Às vezes
até não sente nenhuma necessidade, só essa
comichão que lhe vem quando um aluno
entra no banheiro, mas não no sentido estrito
da necessidade de urinar. E ela, de qualquer
forma, entra no cubículo e tira a calcinha,
como se estivesse apertada, se bem que
poucas vezes esteja.”
Trata do tédio na vida das pessoas, da
sensação de impotência - não sem uma
ponta de atração - mediante um chefe
autoritário, do prazer cruel e fugaz em
vigiar o outro. Nesse jogo de esconde-esconde,
não há heróis, nem anti-heróis,
nem mesmo o vilão tem um rosto único.
Pode exibir talvez um bigode, uma farda,
mas sua identidade maléfica está no olhar
do narrador. Um dia em que María Teresa
está no banheiro, vigiando, ouve alguém
entrar com passos decididos que bate
na porta sem exagero. É seu superior,
Biasutto.
“ - Abra, María Teresa. Sou eu. Ela então
corre o trinco e abre a porta. O senhor Biasutto
sorri para ela com uma intenção que María
Teresa não consegue decifrar. Talvez uma
asa do nariz trema um pouco. Está com as
mãos cruzadas, mas na frente.” (negrito meu)
É o narrador que percebe o perigo neste
homem, que observa mínimos detalhes,