Em Sorocaba, cidade de 700
mil habitantes a 90 quilômetros
de São Paulo, o promotor da
Vara da Infância e Juventude
Antônio Domingos Farto Neto
protagonizou em 28 de abril
último um ato que remeteu aos
piores momentos da ditadura.
Era o dia da batizada greve geral
contra medidas do Governo
Temer. Membro do conselho
consultivo do jornal Cruzeiro do
Sul, Farto Neto invadiu a redação
e, mediante tapas na mesa
e ameaças de demissão, aos
gritos, ditou o tom da edição de
cobertura da greve. Por ordem
de Farto Neto, a manchete do
Cruzeiro do Sul no dia seguinte foi
“Paralisação prejudica o trabalhador
sorocabano”. Verdade ou não, a
imposição pela força é aterradora.
Denunciado pelo Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Estado de São
Paulo, Farto Neto está sendo investigado
pela Corregedoria do Ministério Público do
Estado de São Paulo. O fato de pertencer
ao conselho consultivo do veículo não
lhe dá autoridade para intrometer-se nas
edições, pois o órgão não tem qualquer
poder deliberativo sobre a redação. Seu
comportamento parece mais caracterizar
uma desabrida carteirada.
Uma nova Lei de Abuso de Autoridade
pode inibir atitudes como as descritas
acima. O Projeto de Lei 280 / 16, relatado
pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR),
propõe-se a disciplinar o tema, ainda
regido por legislação de 1965, portanto
remanescente da ditadura. O PL foi
aprovado no Senado com modificações
em relação à versão original, e encontra-se
para apreciação na Câmara. O texto original
foi afrouxado por Requião, que agregou,
entre outras, sugestão do procurador-geral
REVISTA DA CAASP 29
Justificando
da República, Rodrigo Janot. Agora, o Artigo
3 prevê que crimes de abuso poderão
ser alvo de ação privada se a ação penal
pública não for proposta dentro do prazo
de seis meses.
A advogada Luiza Nagib Eluf, que foi
promotora e é procuradora de Justiça
aposentada, prefere não comentar casos
concretos. Ela diz que ao longo de sua
experiência no Ministério Público do Estado
de São Paulo soube de casos de abuso
de autoridade. “Sobre a lei de abuso de
autoridade, é preciso dizer que já existe, mas
foi pouco aplicada até hoje. Sabemos que
existem casos de abuso, sem dúvida, mas
são esparsos e as corregedorias também
existem para coibir condutas impróprias. A
questão é que algumas coisas precisariam
sim mudar, mas as carreiras envolvidas
(magistratura e MP) não assumiram essas
modificações voluntariamente. Quando
as alterações imperiosas não ocorrem de
dentro para fora, acabam ocorrendo de
fora para dentro”, destacou.
ESPECIAL
Farto Neto: invasão de jornal e imposição do noticiário.