LITERATURA 72 REVISTA DA CAASP
à conveniência dessa maioria.
Thoreau denunciará ponto a ponto a
estreiteza dessas e outras concepções,
demonstrando, sem pejo, para começar,
o desvirtuamento moral do voto pelos
interesses pessoais, do capital e das
corporações. Ele não poupará, igualmente,
a ideia da conveniência da maioria, em
especial se contraposta ao indivíduo,
dizendo que a maioria não é mais sábia
que o indivíduo ou que as minorias – e só
prevalece porque é mais forte.
Sobre esse assunto, eis um trecho de
sua análise a um tempo contundente, crua
e irônica:
“Toda a votação é um tipo de jogo, tal como
damas ou gamão, com uma leve coloração
moral, onde se brinca com o certo e o errado
sobre questões morais; e é claro que há
apostas neste jogo. O caráter dos eleitores não
entra nas avaliações. Proclamo o meu voto –
talvez – de acordo com meu critério moral;
mas não tenho um interesse vital de que o
certo saia vitorioso. Estou disposto a deixar
essa decisão para a maioria. O compromisso
de votar, desta forma, nunca vai mais longe
do que as conveniências. Nem mesmo o
ato de votar pelo que é certo implica fazer
algo pelo que é certo. É apenas uma forma
de expressar publicamente o meu anêmico
desejo de que o certo venha a prevalecer. Um
homem sábio não deixará o que é certo nas
mãos incertas do acaso e nem esperará que a
sua vitória se dê através da força da maioria.
Há escassa virtude nas ações de massa dos
homens. Quando finalmente a maioria votar
a favor da abolição da escravatura, das duas
uma: ou ela será indiferente à escravidão ou
então restará muito pouca escravidão a ser
abolida pelo seu voto.”
O indivíduo de que fala Thoreau é
um ser dotado de consciência moral,
sempre disposto a agir de acordo com
sua consciência – e, mais que isto, sempre
disposto a agir de forma prática. Para ele,
não pagar os impostos ao Estado é a única
possibilidade prática de o indivíduo não
apoiar os atos imorais do governo, pois
somente assim não participará daquilo que
julga moralmente errado.
Ser oposição, ou ter opinião contrária,
subscrever petições e manifestos, mas
continuar pagando os impostos de nada
serve na prática para provocar mudanças,
pois, não obstante não concordar com
as ações governamentais, o indivíduo
continua a financiá-las.
Thoreau não refuta os impostos pelo
que contribuem para a conveniência
da maioria, como para a construção de
estradas ou para a educação, por exemplo.
Ele o faz por razões morais, para negar
lealdade ao Estado e afastar-se dele, para
não reconhecer como o seu governo o
mesmo governo que apoia a escravidão e
faz a guerra contra o México.