
REVISTA DA CAASP 9 ENTREVISTA | MILTON HATOUM
brasileiros, de todas as regiões do
Brasil. São Paulo é este caldeirão
enorme de imigrações.
No Brasil, eu acho que há uma
particularidade. Um dos candidatos
a presidente, como não tem
argumento nenhum, como ele é
raso intelectual e moralmente, ele
insiste na violência como arma,
para usar uma palavra que ele
endeusa. Ele usa argumentos
simplórios e perigosíssimos para
barrar a violência. Usa o argumento
da anticorrupção ao mesmo tempo
em que tinha empregados fantasmas em seu gabinete. É uma mentalidade obscurantista e
saudosa da ditadura.
A ditadura civil-militar brasileira é bastante presente em sua obra. O que há de autobiográfico
nela?
O meu primeiro romance, “Relato de um Certo Oriente”, não fala nada da ditadura. “Dois
Irmãos” tem uma cena violenta de um professor que é preso e assassinado. A ditadura
aparece mais em “Cinzas do Norte” e, agora, em “A Noite da Espera”.
Eu vivi dos 12 aos 20 anos, quando fui embora do Brasil, sob uma ditadura. Minha juventude foi
vivida na ditadura, e isso me marcou muito. Eu morei em Brasília, muito jovem. Saí de Manaus
com 15 anos, fui morar sozinho em Brasília para cursar o ensino médio e depois entrar na UNB
para estudar arquitetura. Saí de uma cidade relativamente pacata, provinciana, e comecei a
morar em uma cidade cujo ambiente era muito repressivo, muito opressivo. Foi na época do
A.I. 5, com várias invasões à universidade, com prisões sistemáticas, desaparecimentos. Isso
foi muito marcante para mim.
Agora, “A Noite da Espera” não é um romance político. O drama do narrador, Martim, é
um drama subjetivo, é a perda da mãe, é a separação da mãe que se apaixonou por outro
homem, um artista, e deixou o pai, um engenheiro muito conservador, que então sai de São
Paulo e vai morar com o filho em Brasília. E aí há uma tensão entre eles também. O pai é um
ressentido, um homem que foi traído, e naquela época as separações não eram tão comuns
em famílias de classe média do (bairro paulistano do) Paraíso.
Eu comecei a pensar neste romance quando ainda morava na França e na Espanha.
Pelo que você acabou de falar, o narrador / personagem Martim tem muito de você.
Na verdade, a única coisa que nos une é o fato de termos morado em Brasília e em Paris e
termos estudado no mesmo colégio em Brasília, mas na minha relação com meus pais não
tinha nenhum atrito. É que eu só escrevo sobre o que eu conheço, sobre experiências que
passaram pela minha vida.