
Nos meus contos de “A Cidade Ilhada”, esse
narrador nômade aparece muitas vezes. Há
contos ambientados em Barcelona, em Paris,
em Berkeley, onde eu dei aula de literatura na
Universidade de Califórnia, e em vários lugares
da Europa, dos Estados Unidos, Manaus. É o livro
de um narrador meio circulante, um narrador
peregrino.
Pelo menos na parte da sua obra que eu li, as
relações familiares estão muito presentes,
talvez sejam o foco central delas. A formação do
indivíduo depende mais do ambiente familiar ou
das influências externas?
Para quem não é órfão desde cedo, acho que
a relação familiar é muito importante. Para
qualquer escritor, a infância e a juventude são
decisivas, porque a infância e a juventude são
grandes descobertas – a primeira delas é a da
linguagem, da fala, da articulação, da escrita, das
histórias que a gente ouve, das primeiras leituras,
da relação afetuosa ou problemática com os pais,
irmãos, parentes enfim. Tudo isso eu acho que é muito importante, ao lado da escola. A
escola é tema de muitos romances, o ambiente da escola, as tensões – um grande romance
clássico brasileiro é “O Ateneu”, de Raul Pompeia. Isso é importante desde o Século XVIII,
quando Goethe criou o romance de formação, ou romance de aprendizagem, como ele dizia.
O romance de formação passa pela experiência da escola na juventude, e depois explora a
passagem da juventude, ou da ingenuidade, para a vida adulta, que é o que eu tentei fazer,
modestamente, em “A Noite da Espera”, que é o movimento da juventude para o purgatório,
que é onde estamos todos nós (risos). Há uma linha de sombra, que é um título lindo da
novela do Conrad (Joseph), Shadow Line, e é depois dessa linha de sombra que você ingressa
na vida adulta.
Então, a escola e família são dois ambientes fundamentais para você se formar. É o nosso
grande drama: a educação, tanto a educação familiar quanto o ensino.
Você gostou do resultado da minissérie “Dois Irmãos”, da TV Globo, adaptada do seu livro?
Gostei muito do resultado, tanto da minissérie quanto das adaptações para os quadrinhos e
para o teatro. Nos quadrinhos, os autores ganharam o maior prêmio dos Estados Unidos, o
Prêmio Eisner. Os quadrinistas são dois gêmeos, inclusive, que são geniais, o Gabriel Bá e o
Fábio Moon.
Na minissérie da Globo, o Luiz Fernando Carvalho (diretor) foi um artesão, essa é a palavra
exata, e a Maria Camargo levou oito anos para escrever o roteiro. Ela leu 26 vezes o romance.
Eu falei para ela: pare de ler, porque você vai odiar o romance se continuar assim (risos).
Você já escreveu algum livro pensando em vê-lo transformado em filme ou minissérie?
MILTON HATOUM | ENTREVISTA 12 REVISTA DA CAASP