
Falar em qualquer tipo de cota
no Brasil revolta em muita
gente.
Um dia nós vamos ter que
derrotar essa mentalidade
escravagista - no fundo é isso.
Os resquícios da escravidão
ainda são fortes no Brasil.
Quais são os escritores que
você mais admira?
Para mim, o mais importante
escritor da língua portuguesa,
romancista, é Guimarães Rosa.
Mais que Machado de Assis?
Mais que Machado. Vamos
dizer que os dois estejam num
patamar muito elevado e eu
considere mais os contos do
Machado do que os romances,
embora eu goste muito de
alguns romances dele. Meu
próprio romance “Dois Irmãos” foi inspirado em “Esaú e Jacó”. Ocorre que Guimarães Rosa
é inimitável, qualquer tentativa de imitação da linguagem do Rosa vira um pastiche, é
impossível. Alguns tentam, mas é um fracasso.
Agora, há dois livros do Graciliano Ramos que eu li muito jovem e que me marcaram para a
vida toda: “Vidas Secas”, sobre o qual falei na recepção do Prêmio Juca Pato, e “Infância”. Do
exterior, escritores de língua inglesa, os russos Tolstói, Dostoiévski, Turguéniev. Li também
muito os franceses, desde cedo.
Pessoalmente, considero Dostoiévski inigualável. Você compartilha dessa opinião?
Sim. Ele e Tolstói são dois gigantes da literatura. Eu acho que qualquer escritor tem que
passar pelos clássicos, os gregos, Shakespeare, a literatura francesa do Século XIX, que é a
mais forte do ponto de vista do gênero. No gênero romance, as literaturas francesa e russa do
Século XIX são as mais poderosas. No Século XX temos que acrescentar a literatura italiana,
o realismo italiano.
Eu passei anos da minha vida lendo os clássicos antes de escrever meu primeiro romance,
porque eu tinha uma espécie de síndrome das grandes lacunas. Então, eu dizia: “eu não
posso escrever antes de ler ‘Luz em Agosto’, de (Willian) Falkner”, ou então “O Som e Fúria”,
ou então “Guerra e Paz” ou “Anna Karenina”.
Você acaba de descrever sua preparação para se tornar escritor. Há muita gente hoje se
passando por escritor?
Como tem muita gente se passando por político (risos)...
MILTON HATOUM | ENTREVISTA 14 REVISTA DA CAASP