
A imagem de Martin que o livro nos
passa é de um jovem sem ideologia
política, que entra na luta contra
a ditadura por proximidade com
colegas e que, paralelamente,
sofre com a ausência da mãe e
não se entende com o pai.
Esse é o drama dele. Eu achava
que não faria sentido construir
um narrador militante, acho que
isso seria um pouco óbvio e que
não daria a complexidade que eu
queria dar a uma personagem
central que não tem uma cabeça
política. Ele sai de uma classe
média convencional de São Paulo,
“A NOITE DA ESPERA’ NÃO
É UM ROMANCE POLÍTICO.
O DRAMA DO NARRADOR É
SUBJETIVO, É A SEPARAÇÃO
DA MÃE QUE DEIXOU O PAI,
UM ENGENHEIRO MUITO
o pai é muito católico, a mãe é uma intelectual, enfim, é uma professora de francês, uma
leitora, ao contrário pai, que não lê nada. Há uma tensão já na formação de cada um, e ele é
filho dessa tensão.
Como você avalia considerações de que na época do regime militar havia uma guerra, de
que os dois lados cometiam atrocidades?
Não era uma guerra. Foi um golpe civil-militar que substituiu um regime eleito pelo povo. É
falsear a História dizer que houve uma guerra, como se o país estivesse conflagrado, como
se houvesse um confronto armado. Havia antes um governo legítimo e, depois, houve uma
repressão brutal. Se houve uma guerra, foi uma guerra extremamente desigual.
Quando se fala da violência no Brasil, as pessoas esquecem de que a República Velha foi
inaugurada com o genocídio na Guerra de Canudos, no fim do Século XIX, quando 20 mil
sertanejos pobres, incluindo mulheres e crianças, foram executados pelo Exército. Eles não
eram comunistas – só na cabeça de um louco, ignorante, dizer que Antônio Conselheiro
era um líder comunista. Ele procurava uma nova forma de organização social, era contra a
República etc. Em 1964, não houve uma guerra, houve um assalto ao poder.
Você acha que as forças – políticas e econômicas – que deram o golpe em 1964 estão vivas?
Estão vivíssimas, nos meios militar e civil.
No meio militar, eu diria que há algumas manifestações ou declarações bastante
irresponsáveis. Eu acho lamentável ouvir de um general que a malandragem e a indolência
do brasileiro vêm do africano e do indígena. Minhas origens indígenas tremeram. É um cara
que não tem noção da formação do povo brasileiro. Todo brasileiro tem na sua alma, nos
seus costumes, uma forte herança das culturas africana e indígena, isso está em nós, está
nele inclusive.
Há um saudosismo. As pessoas que não têm nenhuma formação histórica, literária, de ciências
humanas, qual é o argumento delas? É um argumento simplificador, e todo argumento
simplificador é perigoso, porque a complexidade é tão grande que qualquer argumento muito
MILTON HATOUM | ENTREVISTA 10 REVISTA DA CAASP
CONSERVADOR.”