
Jacob Pick Bittencourt, ou Jacob do Bandolim.
LITERATURA 62 REVISTA DA CAASP
querido Jacob do Bandolim, cujo nome
verdadeiro era Jacob Pick Bittencourt, era filho
de Rachel Pick, vulgo Regina, uma “polaca”
de Lodz, e de Francisco Gomes Bittencourt,
um farmacêutico frequentador da Zona do
Mangue, que deu seu nome e sustento ao
filho. As “polacas” no romance de Ronaldo
Wrobel são ficcionais, mas sua densidade
emocional revela a profunda pesquisa e o
respeito às pessoas comuns que fizeram a
história do Rio de Janeiro.
Há questões atemporais e até universais
nesse romance. Max Kutner, no início da
narrativa, esquiva-se de discussões sobre
política, religião, e de até mulheres, com quem
não tem qualquer intenção de comprometer-se.
Faz de tudo para ser invisível. Mas,
mediante o amor, percebe-se obrigado a
descer do muro existencial. Para conseguir
chegar até Hannah, precisa se arriscar,
assumir sua identidade, tornar-se visível. Isto
é ainda mais difícil em tempos de repressão.
Com muita sutileza, Ronaldo Wrobel utiliza
o humor judaico, em que o sujeito ri de si
próprio, de suas próprias desgraças, para
dar aos personagens a identidade judaica. O
sapateiro, por exemplo, diante do dilema de
submeter-se a traduzir as cartas e com isso
prejudicar seus conterrâneos, consulta o avô.
Mas o avô já morreu há muito. Max conversa
é com a foto do avô: pergunta e responde,
ele mesmo, como se soubesse o que o avô
diria nesta situação. E o leitor “escuta” o
avô de Max, alto e claro. Trata-se de algo
muito mais profundo do que um recurso
narrativo; é uma forma de colocar pessoas de
gerações diferentes, separadas pelo tempo e
circunstâncias, em um mesmo ambiente. Essa
conversa entre gerações, o protagonista que
tem um pé no presente e outro na memória,
é uma tradição da literatura judaica desde a
Bíblia.
Em Traduzindo Hannah, os personagens
são muito marcantes, cada um com sua
Web
linguagem e modo de pensar, mas a cidade
do Rio de Janeiro também é um personagem,
com linguagem e visão de mundo próprios.
Assim como o Rio tem muitas faces e não
se deixa conhecer completamente, também
Hannah é difícil de traduzir. Ao terminar o
livro, o leitor não tem certeza que conseguiu,
mas fica feliz em ter tentado.|
*Vivian Schlesinger e escritora e tradutora.