
Por jornalista...
Usam-se máscaras. As pessoas não se incomodam de usar máscaras, mas para ser escritor
você tem que se entregar. Primeiro tem que se pensar uma coisa: se você já não for rico, você
não se tornará rico sendo escritor. Mas os quatro anos que eu passei na Europa morando em
quartos, precariamente, foram os anos menos infelizes da minha vida, porque eu não tinha
compromisso com nada, dava aula particular, a Europa não era cara naquela época. O luxo
para mim não tinha, como não tem hoje e não terá nunca, nenhum significado.
Essa é uma visão de vida romântica de
um romancista, não?
Mas eu vivi isso e foi assim que eu me
tornei escritor. Se eu tivesse uma vida de
nababo, não sei... eu acho que um pouco
de sofrimento faz bem para a gente criar
nossos demônios interiores, trabalhar
com nossas obsessões.
Quando eu me lembro da minha
vida em Brasília, dividindo um quarto
com mais dois amigos, eu lendo ali,
estudando, tenho a certeza de que isso
foi fundamental para minha formação.
Eu deixei a arquitetura e escolhi escrever,
primeiro me tornei professor, por 15
anos, depois larguei a universidade e só
me dediquei à literatura, mas eu sabia
que não ia ganhar dinheiro além do que
eu preciso para sustentar meus filhos.
“AS PESSOAS NÃO SE
INCOMODAM DE USAR
MÁSCARAS, MAS PARA
SER ESCRITOR VOCÊ
TEM QUE SE ENTREGAR.
PRIMEIRO TEM QUE SE
PENSAR UMA COISA: SE
VOCÊ JÁ NÃO FOR RICO,
VOCÊ NÃO SE TORNARÁ
RICO SENDO ESCRITOR.”
Quantos filhos você tem?
Eu fui pai coroa, com pouco mais de 50 anos. Hoje estou com 66. Tenho um filho de 14 e um
de 10. Eu casei várias vezes, mas meus filhos são de um único casamento. Eu ainda tenho
uma enteada, já de 36 anos.
Há quem afirme que a Flip, Feira Literária de Parati, talvez a mais importante do Brasil,
adquiriu um viés político incompatível com sua finalidade original. Você concorda?
Político, sim, porque não há vida sem política. A política está na nossa vida...
Eu me refiro a um suposto proselitismo político-partidário.
Pode ser, mas mesmo que você não queira... eu vou dar um exemplo. Minha mulher, Ruth,
foi curadora da Flip, acho que em 2008. Ela montou uma mesa com MV Bill e Arnaldo Jabor
(risos). Isso foi na época em que os Estados Unidos invadiram o Iraque, e da Flip nasceu
um abaixo-assinado contra a invasão. Claro! Há um momento do contexto político em que
o intelectual não pode calar. É uma posição política mas também humanista, contra uma
injustiça, contra a barbárie. Em tempo de barbárie, o intelectual não pode calar, porque
muitos deles têm uma voz pública.
REVISTA DA CAASP 15 ENTREVISTA | MILTON HATOUM