
ESPECIAL 28 REVISTA DA CAASP
“Eu sou mãe da Fabiana Renata. Minha filha
desapareceu a caminho da escola, no bairro
do Jaraguá. Ela saiu por volta das 14h30, não
chegou à escola e nunca mais voltou para
casa. Isso faz 26 anos”. Quem tem filhos pode
mensurar o sofrimento que acompanha a
autora da declaração acima, Vera Lúcia Ranu,
de 58 anos. “Eu sobrevivo aos meus dias.
Procuro trabalhar e ajudar outras famílias
que têm pessoas desaparecidas. Temos um
buraco no peito que só vai fechar quando
obtivermos uma resposta”.
Nos dias imediatamente posteriores
àquele trágico 12 de novembro de 1992, Vera
passou por situações que desenharam sua
angústia para os anos seguintes. Procurou a
delegacia do bairro, na Zona Oeste paulistana,
logo que caiu a noite e a filha não apareceu. E
à mesma delegacia teve de recorrer inúmeras
outras vezes até que fosse feito um Boletim
de Ocorrência.
“Não me fizeram esperar 24 ou 48 horas
para fazer o B.O.: eu esperei mais de 100
horas”, lembra. Feito o B.O., Vera foi orientada
a voltar depois de 10 dias. Nesse meio tempo,
ouviu de um policial algo como “ela deve
estar com o namoradinho fumando um
baseado”. Quando voltou, o caso tinha sido
encaminhado ao DHPP (Departamento de
Homicídios e Proteção à Pessoa). No DHPP,
soube que nem ao menos um papel sobre
o desaparecimento de Fabiana Renata havia
chegado ao órgão, revelando não apenas
descaso, preconceito e incompetência da
polícia, mas desumanidade.
“O Estado é omisso. Eles rotulam os
familiares do desaparecido como marginais,
como pessoas problemáticas. Me senti
totalmente desamparada, nunca foram à
minha casa, nunca se interessaram por me
ajudar”, acusa.
Fabiana Renata tinha 14 anos quando
desapareceu. Brincava de boneca, gostava
da Xuxa. Seu pai nunca se
recuperou. “Meu marido,
na época, trabalhava numa
empresa de autoguincho
na via Anhanguera. Depois
do acontecido, ele ficou
totalmente desorientado,
perdeu a motivação de
viver, se entregou. Hoje
ele é uma pessoa sem
nenhuma perspectiva”,
relata Vera, que trabalhava
como empregada
doméstica em 1992.
A dor não foi posta
de lado, por impossível
fazê-lo, mas um profundo
espírito solidário levou
Vera a criar a ONG Mães em
Luta, sediada no Largo do
Paissandu, no centro de São Paulo, em 1995.
Antes, ela integrou as Mães da Sé, entidade
semelhante que deu visibilidade à questão
Mães em Luta
Vera: “o Estado é omisso. Eles rotulam os
familiares do desaparecido como marginais”.