
na Praça Onze, ou dos carroceiros entregando
gelo, frutas, os gritos dos moleques jogando
futebol no meio dos transeuntes; o leitor
sente o cheiro de éter ao “entrar” na farmácia,
ou da peixaria antes mesmo de passar por
sua calçada. Entre o final do Século XIX e o
começo do século XX, negros vindos da Bahia
e da região cafeeira do Estado do Rio e judeus
do Leste Europeu dividiam ruas, escolas e
casas no bairro Praça Onze. Eles vendiam
mercadorias as mais diversas, produziam boa
música e boa comida, tanto uns como outros
começando a vida do degrau mais baixo, com
heranças não tão distintas como parece.
Ao redor da praça, os judeus criaram
sinagogas e escolas. No Carnaval, a cada noite,
40 mil pessoas se espremiam na praça. Era lá
que desfilavam, até os anos 1930, as primeiras
escolas de samba, entre elas a Mangueira
e a Portela. É provavelmente aí mesmo que
Stefan Zweig presenciou a integração das
raças que tanto o impressionou em 1940, ao
visitar o Brasil pela primeira vez, e que o levou
a apaixonar-se pelo país. A imagem de um
ambiente em perpétua alegria e otimismo,
que para bem e para mal o Brasil projeta
ainda hoje, está presente no romance de
Wrobel. Mas para os personagens, os dias são
de trabalho, pontas de alegria em meio a uma
rotina de mais derrotas do que vitórias.
“O Rio tendia a ser cruel com quem não se
ajustasse à sua aura festiva.” A narração tem
o ritmo dos anos 30, os fatos encadeiam-se
em pequenas esferas, cada “pessoa” interage
com meia dúzia de outras e não com milhares
simultaneamente, como é hoje. O autor tem
as rédeas do tempo.
Traduzindo Hannah também acontece fora
da Praça Onze, no mundo das “polacas”, cuja
triste história só recentemente começou a
receber os devidos estudo e respeito. Eram
mulheres judias de vilas muito pobres na
Polônia, Rússia, Alemanha, Hungria, de onde
saíam pelas promessas de casamento com
REVISTA DA CAASP 61
homens muito bem apessoados em seus
elegantes caftãs (origem da palavra cafetão),
por uma vida melhor na América, para
descobrir, assim que pisavam no navio, que
naturalmente era tudo uma farsa e que seu
corpo é que seria seu ganha-pão.
A rede de tráfico tinha sede em Buenos
Aires e filiais em várias cidades do Brasil. O
sucesso dessa operação criminosa foi em
parte devido à habilidade dos cafetões em
atrair clientes nas mais altas esferas de
poder com essas meninas muito jovens, de
pele, cabelos e olhos claríssimos, raridade
no mundo do meretrício daquela época na
América Latina.
As prostitutas judias eram severamente
discriminadas pela sociedade, claro, mas
também pela comunidade judaica, pela
vergonha que representavam. Com o
conhecimento da milenar tradição judaica
de amparo aos necessitados, essas mulheres
foram capazes de estruturar sinagogas,
cemitérios e casas de abrigo para as idosas, de
modo que seus filhos, produtos de eventuais
descuidos profissionais, tivessem uma vida
tão plena quanto possível.
O maior bandolinista brasileiro, nosso
LITERATURA
Rio, anos 30: nada é o que parece.
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