
Revista da CAASP – Você acaba de receber o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano. Qual
o papel dos intelectuais neste momento por que passa o país?
Milton Hatoum – Quando a democracia é ameaçada, por exemplo com alusões a fraude
nas eleições, com manifestações de alguns militares, com sinais explícitos de autoritarismo e
obscurantismo, eu acho que os intelectuais, os escritores, os artistas e a sociedade de modo
geral devem se empenhar em garantir o processo democrático. De modo geral, o intelectual
deve ter uma visão humanista, de compreensão dos valores, de compreensão da História,
das contradições sociais, das injustiças.
A perspectiva humanista é aquela de que fala um grande intelectual palestino americano,
Edward Said, em um livro brilhante chamado “Humanismo e Crise Democrática” – eu
acho que, inclusive, é um livro que interessa aos advogados. Ele tem outro livro, chamado
“Representações do Intelectual”, que por sinal eu traduzi. A perspectiva do intelectual
humanista é sempre dizer não ao poder, falar a verdade ao poder, sem escamotear a verdade
e sem ser fiel aos dogmas.
Sem proselitismo partidário, suponho.
Sem proselitismo partidário e, também, sem ser fiel às religiões. Às vezes você se refugia
num dogma ou numa religião ou num partido para escamotear verdades. Eu acho que não é
esse o papel do intelectual. Nesse aspecto, eu concordo com Edward Said.
Há uma corrente intelectual no mundo denunciando
novas formas de solapar a democracia, mediante
conspirações sem uso das armas. Inclusive, o livro
mais falado do momento é “Como as Democracias
Morrem”, de Steven Levitsky. Você enxerga essa
“O
tendência?
INTELECTUAL
Acho que são ondas cíclicas, que vão e voltam,
DEVE TER
dependendo muito da crise do capitalismo, de uma
UMA VISÃO
crise sistêmica do próprio capitalismo. Na Europa, a
HUMANISTA, DE
ascensão da extrema direita se deve muito à questão
dos refugiados, do desemprego e da crise econômica
COMPREENSÃO
de modo geral. Uma das teses mais simplórias da
DA HISTÓRIA,
extrema direita francesa, do Le Pen e da filha dele,
DAS
é a de que se você tirar os cinco milhões de árabes
CONTRADIÇÕES
da França, entre argelinos, marroquinos, negros e
SOCIAIS, DAS
africanos, você resolve o problema.
INJUSTIÇAS.”
Como se a tragédia social nas ex-colônias
francesas não fosse responsabilidade dos próprios
colonizadores...
... e como se De Gaulle, depois da guerra, não tivesse
contemplado essa entrada de imigrantes. A Europa
e os Estados Unidos precisam de mão de obra. Os Estados Unidos foram construídos por
imigrantes. O Brasil também, em parte, com o trabalho do escravo africano, dos índios e dos
imigrantes – São Paulo simboliza isso, é uma cidade de imigrantes estrangeiros e migrantes
MILTON HATOUM | ENTREVISTA 8 REVISTA DA CAASP