
A PROFECIA DE BOLÍVAR
Nunca o lamento do grande libertador Simon Bolívar, expresso há mais de 170 anos,
esteve tão atual: “Não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os
tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade
é anarquia e a vida um tormento”. Tomando ao pé da letra o pensamento e procurando
aplicá-lo ao caso brasileiro, deparamo-nos com uma situação bastante similar à descrita
pelo timoneiro. A vida nacional está se tornando cada vez mais atormentada e parcela
desse sofrimento tem muita coisa ver com a desordem institucional que nos cerca.
O desemprego grassa, maltratando a vida de 13 milhões de pessoas; as tensões entre
os três Poderes se acirram; nas próprias Cortes altos juízes fazem acusações recíprocas
(“há gabinetes no STF distribuído senha para soltar corruptos”); intensa polarização toma
conta do corpo social; e muita bílis jorra das fontes de indignação e ódio.
Em certos momentos, o estado de anomia emerge. Fácil constatar: leis que não
são cumpridas, cláusulas pétreas enterradas, situações de desorganização normativa.
Os 35 partidos políticos constituem massas amorfas e inodoras. Perderam substância,
arquivaram sua doutrina. Buscam o poder pelo poder. Partidos de oposição, por
conveniência eleitoral, acabam se aliando em alguns Estados com perfis que, até então,
ganhavam o epíteto de “golpistas”.
A violência se espraia na esteira da miséria que aflige parcelas ponderáveis dos nossos
208 milhões de habitantes. A impunidade generalizada, que atesta a fragilidade da ação
governamental na área da segurança pública, reforça o sentimento de descumprimento
de lei.
A Constituição brasileira, nossa Lei Maior, que completa 30 anos, é um livro cheio
de detalhes. Quando foi produzida, refletia o caldeirão de pressões da sociedade. Por
ser uma Carta muito descritiva, propicia polêmica em demasia e abre espaços para uma
infinidade de litígios. Hoje, é criticada pelo fato de muitos de seus artigos e incisos não serem
obedecidos. Registra mais de 100 emendas. E uma lei maior que deixa de ser cumprida
acaba plasmando uma cultura de perniciosidade, impunidade e desorganização. Dessa
forma, os tratados constitucionais perdem razoável parcela de força, transformando-se
em letra morta.
As eleições, como a deste ano, constituem uma batalha acirrada, onde não faltam
impropérios, denúncias contra adversários, calúnia e difamação, fake news produzidas por
mentirosos profissionais, cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses
em regiões incultas. A política, como exercício democrático da defesa de um ideário social,
como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, está cada vez mais assemelhada
ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos. A
REVISTA DA CAASP 73 OPINIÃO
Gaudêncio Torquato*