
de um ângulo a outro, aqui e ali. E um reflete
o outro e sobre o outro – acho que a nossa
cabeça funciona assim, e tenho uma certa
obsessão pelos nossos modos de apreensão
da realidade.”
A ideia de Otavio Espinhosa de renunciar
a um prazer, no caso, o sexo, como tentativa
de reorganizar sua vida tem respaldo em
vários personagens da grande literatura.
Celio Waisman, protagonista de Minha vida
sem banho (Bernardo Ajzenberg, Rocco, 2014)
decide parar de tomar banho, quando se
depara com uma resistência queimada no
chuveiro. Surpreende-se ao descobrir que
essa atitude antissocial rende a atenção e
prestígio por que sempre lutou, sem sucesso.
Já David Lurie, criação de J. M. Coetzee no
insuperável Desonra (Cia. das Letras, 2000)
abre mão do amor. O sexo continua, mas
somente com prostitutas, com hora e local
REVISTA DA CAASP 51
marcados por ele. Tudo sob controle - húbris!
- até que uma série de catástrofes em sua
vida o obrigam a abandonar sua agenda de
sexo-à-porter e encarar a realidade. E J.K.
Huysman, romancista francês do século 19
autor de Às avessas (Cia. das Letras, 2001),
é o pai de todos os renunciadores: após
dedicar sua vida literária ao decadentismo,
abordando desde sodomia até satanismo
entre os comportamentos proibidos à época,
voltou ao catolicismo rígido em sua vida
pessoal e em sua literatura.
Para nosso herói Espinhosa o projeto
de abdicar do sexo serve como um refúgio
do caos à sua volta, porém com muito mais
leveza e uma pitada de malandragem: um
projeto brasileiro.
As horas da manhã passam rápido no
escritório, entre reuniões de alta voltagem e
a suspeita, por parte de todos, que cabeças
estão prestes a rolar. Débora, a colega bem
apessoada, o procura e insinua que tem algo
a propor. As fantasias, até então reprimidas
em nome da fidelidade conjugal, aceleram
seu pulso. Na verdade, Débora sabe muito
mais sobre ele do que ele supunha. Sabe que
Espinhosa é o autor de um livro de autoajuda
publicado sob pseudônimo, do qual ele não
se orgulha, mas não nega.
A alfinetada de Tezza no universo
da autoajuda é brilhante, a começar do
pseudônimo Kelvin Oliva, que significa, afinal,
o zero absoluto - representação numérica da
contribuição dos livros de autoajuda? A ironia
da vida de Espinhosa, que não conseguiu
publicar sua tese de economia, afinal produto
de muito estudo, mas não teve a menor
dificuldade em produzir e publicar um livro
lucrativo cujo conteúdo é uma piada não
escapa ao leitor atento.
O almoço com a filha é a ilha de paz, ou
- arrisquemos – felicidade, no dia dele. É
nesse ambiente de sushi e hashi, onde paga-se
mais pela ilusão da imersão oriental e sua
LITERATURA