
as empresas tiveram que optar entre vender assinaturas de serviços ou publicidade dirigida
e elas foram empurradas para a publicidade dirigida. O Spotify, a Netflix e essas empresas
que você paga pela assinatura do serviço, elas operam nas duas chaves. Elas pegam os seus
dados e cobram pelo serviço. A Google não. A Google te dá tudo de graça e só fatura com
seus dados. Mas não importa, porque não tem mais uma alternativa pura porque, como o
potencial econômico dos dados já se demonstrou, o urso provou do sangue. Não é assim que
se diz? risos Depois que o urso come um humano, parece que a carne é boa e ele sempre
ataca humanos? Pois bem, o urso já provou dos dados. Todo mundo já sabe, já foi feito, já foi
utilizado. Quem é que vai deixar de coletar? Como é que você vai impedir eles de coletarem?
Mais cedo ou mais tarde vai acontecer um escândalo que afete as pessoas comuns.
Quando as pessoas comuns tomarem consciência da dimensão do problema, eu acho que
vai ser tarde demais, mas talvez se encontre uma saída. Mas, até lá, eu não tenho esperança.
O seu trabalho mudou a sua relação com a tecnologia? Quais cuidados o senhor toma?
Todos risos. Mas é meio à toa porque eu sei que tem pouco efeito. Acho que todo mundo
que trabalha com isso toma um pouco mais de cuidado. Mas ao mesmo tempo não adianta
nada eu tomar cuidado isoladamente. Ah! Então o meu comunicador pessoal é o mais seguro,
eu uso o Signal (aplicativo de mensagens criptografadas recomendado por Edward Snowden) em
vez de usar o WhatsApp. Não adianta nada porque eu preciso conversar com as pessoas.
Eu tenho um e-mail muito mais seguro que o Gmail, mas eu preciso me comunicar com
quem tem Gmail, aí o e-mail vaza na outra ponta. Então, não adianta nada essas decisões
individuais. A gente tem que se resolver enquanto sociedade e eu estou muito descrente de
que a gente vai ter uma solução antes de um escândalo vir à tona.
Quatro anos depois de aprovado, o Marco Civil é alvo de cerca de 56 propostas de alteração.
O senhor compartilha da opinião de que o Marco Civil da Internet precisa ser revisto?
O Marco Civil é uma das melhores leis que a gente tem no mundo. Aliás, ele nasceu para
se contrapor a outra lei. A gente tinha uma lei de crimes cibernéticos em tramitação e houve
um movimento da sociedade civil brasileira dizendo “não, antes de criminalizar, a gente
precisa criar um marco civil de proteção dos direitos digitais”. E era uma discussão que estava
acontecendo no âmbito das Nações Unidas há muitos anos, mas num âmbito teórico, sem
nenhuma chance de virar um acordo internacional e a sociedade brasileira fez um esforço
para produzir esse marco nacional.
Eu acho que essa virada de abordagem, de abordar o fenômeno digital não do ponto de
vista criminal, mas do ponto de vista dos direitos, é a grande inovação brasileira, inspirou
várias outras iniciativas que vieram depois. E só foi aprovado por causa do Snowden. Todas
as organizações que trabalhavam com direitos civis, humanos, digitais se engajaram. A
imprensa se engajou. Mas o negócio travou no Congresso, não ia passar. Eu estou convicto
de que não teria passado se não fosse o escândalo do Snowden. A Dilma (Rousseff) tinha sido
atingida e ela interveio nesse processo, fazendo-o ser aprovado mas, assim, só por conta
desse contexto extraordinário. Acho que num processo de tramitação regular não teria
passado.
18 REVISTA DA CAASP
PABLO ORTELLADO | ENTREVISTA