
“Uma vida pela frente, isso não existe. As
pessoas não costumam ter uma vida pela
frente; de concreto, temos apenas uma
vida para trás”, conforme Otavio Espinhosa,
economista que se diz tataraneto do grande
filósofo do Século XVII. Espinhosa fala
sem parar, mas ninguém escuta porque
o monólogo se dá dentro de sua cabeça.
Também por ele ser um personagem de
ficção: é o protagonista multifacetado,
perplexo e plausível do romance A tirania do
amor (Todavia, 2018), de Cristóvão Tezza.
Ninguém melhor do que Tezza para
verbalizar a angústia de um homem preso
no corredor que leva das perdas do passado
à liberdade reinventada do futuro. Autor
de 15 romances, além de livros de contos e
crônicas, poesia, crítica literária e ensaio, é
sem dúvida o mais premiado autor brasileiro.
Sua obra tem sido igualmente recebida por
leitores e críticos de mais de 20 países, o
que atesta sua universalidade. Aqui no Brasil
Tezza é considerado um “autor dos autores”,
cuja obra é objeto de estudo e discussão. O
fracasso e recomeço, as diminutas escolhas
que acabam definindo nosso destino, a
indissociabilidade entre liberdade e solidão
são apenas alguns dos imensos temas que
ele aborda com técnica narrativa sofisticada
mas de leitura fluida e sedutora.
REVISTA DA CAASP 49
Em A tirania do amor tudo muda na vida do
protagonista em rápidas 24 horas, narrado
entre o espaço claustrofóbico de um prédio
comercial e um restaurante de sushi na
Avenida Paulista. É o ano de 2017. Ou seja, aqui
e agora para qualquer brasileiro. Espinhosa
é um homem e sua difícil circunstância. De
um lado, o casamento que estertora entre
adultério e indiferença, o filho parasita,
militante sem causa e o emprego ameaçado
por empresários corruptos. No outro prato
da balança estão a colega de trabalho rica,
jeitosa, inteligente e interessada nele, e mais
importante, a filha sincera, amorosa e normal.
O dia da virada começa na madrugada,
quando, a caminho da cozinha em busca de
um copo de água depara-se com os e-mails
de sua mulher ao amante, escancarados no
computador curiosamente esquecido sobre
a mesa. Apesar da taquicardia e a náusea
mediante a descoberta, ele não perde os
sentidos - ao contrário, passa a enxergar e
ouvir como nunca.
LITERATURA Guilherme Pupo/Reprodução
Cristóvão Tezza, o mais premiado autor
brasileiro.