
Avenida Paulista, palco dos dilemas de
Espinhosa.
LITERATURA 50 REVISTA DA CAASP
Nas 24 horas seguintes, Espinhosa lava
mentalmente sua roupa suja até o limite
da angústia. Apenas as paredes de vidro
do escritório o impedem de atirar-se lá do
alto. Nesses momentos extremos lança
mão daquilo que sempre soube controlar:
números. Onde alguns infelizes seriam
compelidos a escrever (maus) poemas ou
consumiriam um maço de cigarros, nosso
economista inventa e resolve equações,
calcula a taxa do DI, conta e reconta os
passos de uma calçada a outra. Autismo?
Não, apenas um dote para matemática usado
desde a infância para neutralizar a ausência
da mãe, morta, e a presença sísmica do pai,
estelionatário mulherengo.
A matemática como rota de fuga o ajudou a
seduzir as três mulheres de sua vida - Teresa,
Rachel e Débora - e a garantir o emprego ao
qual se dedicou durante décadas.
A descoberta da madrugada destampa o
esgotamento que se espalha e avoluma feito
gás tóxico, mas diferente do gás, não perde
densidade e não desaparece. A caminho
do escritório lança mão de uma decisão
desesperada:
“No cansaço - não exatamente cansaço,
esta coisa menor, localizável, passageira ...
um completo esgotamento - e mais o limbo
da manhã, nesta névoa mental em que o dia
pode se transformar em qualquer coisa ...
a decisão foi tomada: abdicar de sua vida
sexual.”
Abdicar do sexo para salvar-se pode
parecer interessante por algumas horas,
mas tem a mesma chance de sucesso que
inscrever-se naquela academia caríssima
após ouvir mais uma descompostura do
cardiologista. Fracasso garantido. Nosso
amigo não tem ilusões, apenas diverte-se
imaginando a reação das pessoas ao revelar
sua decisão monástica.
O leitor ‘ouve’ várias vozes: a do pensamento
de Espinhosa, a dele e a do interlocutor em
seus diálogos imaginários e também a de um
narrador onisciente. Muitas vezes essas vozes
aparecem todas juntas em uma mesma frase,
com pouca sinalização tipográfica, mas para
o leitor atento isso não apresenta dificuldade
porque Cristovão Tezza vem aprimorando
esse ritmo sintático há muito tempo.
Cinco anos atrás, quando lançou O
professor (Record, 2014), no qual um velho
passa a manhã na frente do espelho do
banheiro preparando-se para receber uma
homenagem enquanto repassa toda sua vida,
Tezza já havia transformado essa técnica em
uma de suas marcas de estilo.
“... Trata-se de um narrador ‘dobrado’,
que, ao mesmo tempo, está na terceira e na
primeira pessoas; sutilmente a frase passa
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