
O que aconteceu, a meu ver, é que essas eleições demonstraram que com grande
mobilização da sociedade - e a sociedade brasileira está muito mobilizada -, e com domínio
das mídias sociais eu consigo derrotar todos os outros recursos tradicionais. Não é que os
recursos tradicionais deixaram de ser importantes, eu não tenho dúvida que eles seguem
importantes. A audiência de rádio e tevê estava numa trajetória decrescente, mas subiu
nessas eleições. Então não deixaram de ser importantes, mas podem ser derrotados.
Uma das provas mais eloquentes do uso de redes sociais para influenciar a eleição foi a
proliferação das fake news. A atuação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no combate a
essas notícias falsas durante o pleito foi satisfatória?
Não sei o quanto a Justiça falhou, porque teve um fenômeno novo. Tem duas coisas um
pouco diferentes e as duas estavam presentes nas eleições. Uma são as notícias falsas, outra
são os boatos.
A notícia falsa é um fenômeno mais ou menos recente, em que eu tenho discursos políticos
altamente engajados travestidos na forma de notícia factual. Então, no caso brasileiro, desde
2014, temos a constituição de dois ecossistemas em páginas de Facebook, contas de Twitter,
canais de Youtube, totalmente dedicados à produção de posições políticas apresentadas
na forma de notícia, com manchete, lead (o primeiro parágrafo da notícia), aspas. Esse é
o fenômeno. Não necessariamente esses conteúdos são mentirosos, mas a promoção de
narrativas políticas é tão engajada que, de vez em quando, eles fogem dos fatos e aí mentem
para que esses fatos se adequem a narrativa. Mas a maior parte das vezes ele não é mentiroso,
ele só força a mão mesmo, pega um fato que aconteceu e exagera, tira de contexto, coloca
sensacionalismo, apresenta especulação como fato. Esses outros procedimentos são muito
mais frequentes que a mentira. Isso pra mim foi novidade.
Desde 2014 vemos a constituição desses sites, que são superimportantes não só em
período eleitoral, mas fora dele. No Facebook, esses sites hiperpartidários respondem por
mais ou menos metade do consumo de notícias políticas. E eles são mais ou menos bem
divididos entre esquerda e direita, competindo de igual para igual com os grandes veículos.
Um pequeno site no interior de Minas Gerais compete de igual para igual hoje nas mídias
sociais, do ponto de vista de compartilhamento, de número de acessos, com uma grande
corporação midiática que tenha um edifício inteiro em São Paulo. Esse fenômeno está sendo
estudado porque foi acusado de favorecer a eleição do Donald Trump e passou a ter muito
cuidado com relação a ele. O Facebook fez uma força tarefa para acompanhar as eleições
brasileiras, embora ele não tenha como impedir isso, porque impedir a circulação disso
significa limitar a liberdade de expressão e de imprensa.
Porém, além disso tivemos os boatos. Boatos têm em comum com fake news o fato de
serem informações não verificadas, mas são diferentes porque, enquanto na notícia falsa
o que dá credibilidade a ela é que ela supostamente passou por uma apuração jornalística,
no boato o que lhe dá credibilidade é o testemunho. O boato normalmente tem a forma do
“alguém que teve acesso a uma informação escondida e a está revelando”. Então, é “eu vi!”; é
“eu estava na favela da Maré e sei que Marielle Franco foi casada com Marcinho VP”.
O boato tem essa força de testemunho, que persuade porque aquela pessoa supostamente
teve acesso a uma verdade que estava escondida de todos. Esses boatos circularam meio
misturados com as notícias falsas. Essa parte mais suja da campanha eleitoral não circulou no
REVISTA DA CAASP 13
ENTREVISTA | PABLO ORTELLADO