
Indagado sobre particularidades
encontradas em casos aparentemente
semelhantes, e se isso não exigiria olhos
humanos, Gusmão responde que sim,
os casos têm peculiaridades, mas a
Inteligência Artificial é usada muito mais no
processamento das demandas, “no dia a dia
daquela atividade cartorária, principalmente
na área de defesa do consumidor, em
questões previdenciárias e tributárias – você
tem um algoritmo que identifica padrões e
gera caminho naquele processo no sentido
da automação”.
“Não acho que seremos julgados por
robôs”, finaliza.
É a voz do jurista Lênio Streck, sempre
mordaz e erudito em suas palavras: “O
Direito brasileiro já vendeu e comprou
facilidades, atalhos para resolver nossos
problemas. Foi assim com as súmulas, com a
‘commonlização’, com o processo eletrônico
etc. Tudo para não encarar as causas
estruturais que levam a uma litigiosidade
de massa e a uma prestação jurisdicional
de baixa qualidade. Não tenho razões para
acreditar que com a I.A. será diferente”.
Para o professor e advogado, “existem
inúmeros problemas ao se tratar o Direito
como se ele fosse um fato bruto, como se
pudesse ser identificado a partir de critérios
empíricos e dispensasse em algum momento
a interpretação”. Na mesma linha de Ronald
Dworkin, grande teórico da interpretação
jurídica contemporânea, Streck afirma
REVISTA DA CAASP 37
que “nenhum algoritmo pode decidir se
uma interpretação se ajusta e se justifica
satisfatoriamente num caso”.
Quando aos advogados, Lênio Streck
diz compreender que alguns façam uso
estratégico de I. A. na elaboração de suas
peças. Mas ressalva: “Até onde isso pode
dispensar a interpretação de um profissional
humano? Ademais, para essa tecnologia
ser eficiente para os advogados, ela não
pressupõe em alguma medida ‘jurisprudência
mecânica’?”
O jurista finalizou sua missiva enviada à
Revista da CAASP com as seguintes palavras:
“Ainda que a Inteligência Artificial funcione,
superando todos os problemas apontados,
gostaríamos de viver num mundo no qual
nossos direitos fossem defendidos e julgados
com menor presença humana? No qual os
advogados trabalhassem numa espécie de
Uber, como definiu certa pesquisadora? E
o que viria depois? Em breve, as provas de
concurso substituiriam o conhecimento
jurídico por habilidades em informática”.
UMA VOZ
CONTRÁRIA
ESPECIAL
Arquivo CAASP
Streck: “Não se pode tratar o Direito como
fato bruto”.