Revista da CAASP Esta fala é de sua autoria: “Juiz não é produtor de justiça, mas aplicador
da lei”. Trata-se de uma crítica ao ativismo judicial em moda?
Eros Grau Existe uma diferença fundamental entre lei e justiça. Lei é um instrumento de
organização social que não permite que os mais fortes predominem sobre os mais fracos
dentro de certos limites, e isso não tem nada a ver com justiça. A justiça é uma coisa que,
para quem acredita em Deus, está lá em cima. Para quem não acredita em Deus, não existe.
Então, o que você tem que considerar é que todas as vezes que um juiz se excede, indo além
da lei, ele pretende aplicar a justiça dele.
Isso tem acontecido no Brasil?
Eu acho que sempre aconteceu. Houve, uns trinta anos atrás, um movimento chamado
direito alternativo. Sempre existiu uma tendência de os juízes escaparem dos limites da lei, o
que é inteiramente descabido.
O senhor inclui nesse tipo de conduta decisões judiciais que interferem em outros Poderes
da República?
Isso depende de cada caso. Se o Supremo ou o juiz de primeira instância estiver aplicando a
lei, e se limitar-se a aplicar a lei, não há excesso. É fundamental compreender que o Direito
não é uma ciência, mas uma prudência.
O velho Aristóteles fazia uma distinção entre arte, ciência e prudência. No Direito não existem
soluções exatas, existem soluções corretas. Às vezes, o mesmo caso, julgado por um juiz de
primeira instância, é julgado também por um juiz de segunda instância e as duas decisões
são diferentes. Se as decisões estiverem contidas no quadro da lei, elas são corretas. Não
existe o exato em Direito – existe o correto e o incorreto.
Cada vez que o juiz for além da moldura da lei, ele
estará fazendo besteira.
O ministro Luís Roberto Barroso disse que o
Supremo seria uma espécie de reserva iluminista da
sociedade brasileira. O senhor concorda?
Não, o Supremo não é reserva iluminista. O Supremo
deve cumprir a função que lhe é definida pela
Constituição. No quadro da Constituição, em meu
juízo, existe uma peculiaridade que deveria ser
observada: a discrição judicial.
Eu tenho um pequeno exemplo que diz tudo para
mim. Eu vou muito à França, eu fui professor em
Montpellier, na Paris I, e tenho amigos lá. Tem um
juiz do Tribunal Constitucional – lá é juiz, não ministro
– que veio ao Brasil quando eu estava no Supremo.
Organizou-se uma espécie de conferência conjunta,
e ele ficou conhecendo o Brasil. Um ano depois,
quando eu estava na França, nós caminhávamos
por uma pequena avenida de Paris, ele me olhou de
8 REVISTA DA CAASP
EROS ROBERTO GRAU | ENTREVISTA
SEMPRE
EXISTIU UMA
TENDÊNCIA
DE OS JUÍZES
ESCAPAREM
DOS LIMITES
DA LEI