se em mito universal e, quem diria, tinha
não apenas grande ligação com o Brasil,
mas, ao que se indica no romance de Daniel
Defoe, também certo tipo de nacionalidade
brasileira.
Isto pode surpreender a muitos, porque,
como assinalei antes, apenas a parte
relativa a seu naufrágio e ao período de
vida solitária na ilha restou na memória
e no imaginário cultural, tantas vezes a
história foi contada e recontada em infinitas
variações e adaptações, na maioria das
vezes destinadas ao público infanto-juvenil.
Embora tenha sido livro de grande
vendagem e muito influente, desde seu
lançamento, em 1719, hoje nem sempre
há edições com o texto integral disponíveis
no mercado. Achando-se uma, vale a pena.
O leitor que aprecia histórias de aventuras
não se decepcionará com o romance,
menos ainda aqueles que se interessam
por História, ou História da Literatura.
Robinson Crusoe passou 28 anos na
ilha, mas suas aventuras estendem-se
por período de trinta e cinco anos, tempo
compreendido entre o momento em que
fugiu da casa paterna na Inglaterra para
evitar a monótona vida de classe média –
“condição mediana, a posição superior de
um estado inferior” – para render-se à sua
atração pelo mar.
O livro é escrito em forma autobiográfica
e dois terços da narrativa transcorrem
na ilha. Os capítulos iniciais e finais,
entretanto, delimitam o Brasil como o
ponto geográfico de partida e de chegada
de sua viagem à ilha deserta, embora,
naturalmente, os verdadeiros referenciais
sejam os europeus, Londres e Lisboa.
Mas seus anos em terras brasileiras são
decisivos para conferir sentido à história.
No início das aventuras, tendo sido
capturado por corsários turcos, Crusoe
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cai escravo no porto de Sallee. De lá, após
fugir de seu amo, é resgatado em mar por
um navio português que o traz ao Brasil.
Chegando à Baía de São Salvador, aqui
investe seu capital – pois Crusoe nunca
deixou de ter certo capital, em todas as
fases da história. Para estabelecer-se como
plantador de cana, em certa passagem
o vemos providenciar a naturalização
brasileira, a fim de comprar terras, nos
seguintes termos:
“Fazia pouco tempo que eu estava ali,
mas me assenhoreei da maneira como eles
plantam e fabricam açúcar. E, observando
como os plantadores viviam bem e ficavam
ricos muito depressa, decidi que, se
conseguisse licença para me estabelecer
por lá, seria um plantador entre eles. Então
resolvi, nesse ínterim, encontrar uma maneira
de me enviarem o dinheiro que havia deixado
em Londres. Para isso, consegui um tipo de
carta de naturalização, comprei o máximo
de terra inculta que meu dinheiro permitia
e fiz um plano para minha plantação e
meu estabelecimento, um plano que fosse
adequado ao capital que eu pretendia receber
LITERATURA
James Joyce: “O espírito anglo-saxão está por
inteiro em Robinson Crusoe”.
Fotos WEB