Um dos raros exemplares da edição original.
52 REVISTA DA CAASP
Apenas a parte central da história de
Robinson Crusoe é conhecida por todos,
aquela que retrata os anos vividos na ilha.
Isto porque Robinson Crusoe, de Daniel
Defoe; assim como Moby Dick, de Herman
Melville; Don Quixote, de Miguel Cervantes;
ou Don Juan, de Tarso de Molina, por
exemplo, entre outras tantas obras literárias
maravilhosas, são clássicos cujos enredos
lineares e simplificados tornaram-se parte
da cultura universal, ao mesmo tempo
que hoje poucos leitores se interessem
ou tenham acesso à íntegra das versões
originais dessas obras. Seus significados
originais foram igualmente diluídos pelos
séculos, quando não modificados por
novas vertentes interpretativas.
No Século XVII e nos seguintes, até o
Século XX, Robinson Crusoe, o personagem
criado pelo escritor inglês Daniel Defoe,
atraiu a atenção de filósofos e intelectuais
de todos os matizes, por ser um protótipo
psicológico representativo de proposições
teológicas e econômicas, principalmente,
daquilo que se discutia na época.
Do ponto de vista religioso, a saga
desse herói segue passos clássicos
inspirados pelo protestantismo: o pecado,
a punição, o arrependimento e a redenção.
O confinamento na ilha foi o castigo de
Crusoe pelo pecado da desobediência filial,
e sua salvação – na condição, aliás, de um
homem muito rico – foi a redenção.
O sucesso popular do herói deriva de
suas dimensões míticas, encarnando não
só o uso da racionalidade humana na luta
solitária contra os elementos da natureza,
como, de forma mais mundana, o ideal de
fazer a América, enricando ao lançar-se
ao mar em busca do Novo Mundo. Neste
sentido, é um típico inglês.
Numa conferência de 1912, James Joyce
afirma que “o espírito anglo-saxão está por
inteiro em Robinson Crusoe: a independência
varonil; a crueldade inconsciente; a
persistência; a inteligência lenta mas eficiente;
a apatia sexual; a religiosidade equilibrada e
prática; a reserva calculada”
Muito mais que um herói inglês,
entretanto, Robinson Crusoe transformou-
LITERATURA
Daniel Defoe.