"Agora todo mundo é autista". A frase negligente e preconceituosa desnuda a falta de compreensão que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda enfrenta na sociedade brasileira e, ironicamente, também reflete o aumento nos diagnósticos de autismo nos últimos anos no país. Falar de autismo tornou-se mais comum, inclusive na advocacia. Não só porque a classe tem cada vez mais auxiliado autistas e suas famílias a assegurarem o direito a tratamento junto aos planos de saúde, mas também porque há advogados e advogadas autistas ou pais de autistas, e que precisam ser compreendidos pelos colegas.
A evolução da ciência no que diz respeito ao Transtorno do Espectro Autista ajuda a explicar o destaque que o tema ganhou na sociedade. O TEA foi descrito pela primeira vez em 1943, e só em 1992 foi incluído na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (na ocasião CID-10), classificação global padronizada de doenças, distúrbios, condições médicas e causas de morte mantida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Portanto, há um curto período histórico de conhecimento e trato da questão, se comparado a outros distúrbios. alguns conhecidos desde o século 6 a.C.
A democratização da informação via internet também auxilia que neurodivergentes adultos (pessoas cujo funcionamento cerebral difere significativamente do que é considerado típico) se reconheçam e procurem ajuda médica para certificar-se do diagnóstico, ainda que tardio. Caso de personalidades como a atriz brasileira Letícia Sabatella e da americana Tallulah Willis (filha dos atores Bruce Willis e Demi Moore), que recentemente compartilharam suas experiências de alívio após receberem diagnósticos de autismo na idade adulta. Alívio por enfim terem uma compreensão mais profunda de si mesmas e poderem cuidar melhor das suas necessidades.
Já o diagnóstico precoce em crianças evita não só a angústia da incompreensão tanto por parte dos adultos responsáveis quanto da própria criança, como constitui fator fundamental para o êxito do tratamento. O autismo caracteriza-se pelo prejuízo da comunicação, da interação social e de padrões restritos e repetitivos de comportamento em diferentes níveis (a escala varia de 1 a 3). Entende-se hoje que, quanto antes se inicia um tratamento de qualidade, maiores são as chances das pessoas com TEA terem mais qualidade de vida e possibilidade de desenvolver habilidades e toda sua potencialidade.
Se o acesso ao diagnóstico hoje é mais fácil, a jornada que se segue ainda é uma batalha. Autistas têm enfrentado desafios contínuos para garantir o tratamento adequado. Dado que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição crônica, a necessidade de assistência pode perdurar por toda a vida.
A obtenção de diferentes tipos de tratamentos tornou-se um dos principais obstáculos nos planos de saúde do país. Em teoria, os convênios são obrigados a cobrir qualquer método recomendado pelo médico para o tratamento de pacientes autistas e com outros transtornos globais do desenvolvimento. Na prática, o que há são queixas dos usuários e ações judiciais contra empresas do setor devido às frequentes negativas de cobertura, descredenciamento de clínicas e cancelamento unilateral de contratos. Nesse ponto, a advocacia é imprescindível à causa autista.
A presença ativa da advocacia no tema não se limita apenas à defesa de direitos legais das pessoas com TEA. A atuação de advogados e advogadas com autismo no campo jurídico desempenha um papel crucial na desconstrução do estigma associado ao transtorno. Esses profissionais desafiam diretamente os estereótipos e preconceitos, demonstrando a capacidade e competência das pessoas autistas em todos os campos da vida.