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Revista da CAASP - Edição 26-

Qualquer pessoa que é perguntada se é a favor da corrupção diz que não, mesmo o corrupto. Eu penso que algumas das propostas poderiam até ser acatadas em relação ao enriquecimento ilícito, mas não se pode extrapolar as penas nem tirar garantias. Não se joga fora a água suja com a criança dentro. A pior coisa que pode acontecer é alguém achar que, numa concepção moralista, pode fazer uma espécie de limpeza social. Sempre haverá vícios e sempre haverá virtudes – é a Fábula das Abelhas, de Mandeville. Se as pessoas acham que a sociedade deve ter só virtudes, é bom lembrar dessa fábula. Eu posso até concordar com a proposta de eugenia cívica, como eu a chamo, de querer saber de antemão se você tem propensão a delinquir, desde que ela seja aplicada para deputados, senadores, ministros do Supremo, ministros do STJ, procuradores-gerais de Justiça, governadores, prefeitos, presidentes da República. Ou isso seria só para a patuleia? Parece estar na moda o “in dubio, contra o réu”, ao meu ver com a colaboração de parte da imprensa. Isso ocorreria por desconhecimento jurídico ou por envolvimento político? Pelos dois aspectos. Primeiro, não está escrito em lugar nenhum de que exista in dubio, pro societat, isso é uma invenção da dogmática jurídica. O que existe é in dubio, pró réu, e isso vem desde o primeiro grande julgamento da História, o caso de Orestes, que matou a própria mãe e o amante da mãe, que tinha matado seu pai. Orestes pede um julgamento e nesse julgamento há empate, cinco a cinco, e a deusa Pala Athena dá o voto de Minerva, ou seja, ela não desempata, mas diz que o empate beneficia o réu. Isso está na mitologia grega! Então, óbvio, trata-se de uma conquista porque a partir de então cessaram as vinganças. Quando se diz “in dubio, contra o réu”, se está sendo vingativo, se está retrocedendo a antes da Oresteia de Ésquilo. Moraliza-se, assim, uma questão que tinha de ser jurídica. É um retrocesso, e isso se dá por um imaginário construído a partir de setores da mídia – não é chavão dizer isso: há elementos fortes mostrando, por exemplo, que alguns veículos de comunicação assumem francamente posições políticas, morais, e, ao invés de simplesmente possibilitarem escolhas às pessoas, eles impõem suas posições. Há vários modos de se fazer isso: por exemplo, deixar de ouvir um dos lados. As revistas semanais são hábeis em práticas desse tipo, não raro exibindo capas escandalosas para conteúdos pouco relevantes. Aqui no Rio Grande do Sul a gente chama isso de “tosa de porco”: muito grito e pouca lã (risos). REVISTA DA CAASP 15 ENTREVISTA | LENIO STRECK A TENTATIVA DE ENFRAQUECER O HABEAS CORPUS É UMA COISA ESTARRECEDORA


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