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Revista da CAASP - Edição 26-

O senhor considera ético que magistrados estejam diariamente presentes na mídia, comentando todo e qualquer assunto da República e não raro abordando temas que irão julgar? Nesse ponto, é importante sempre lembrar o ministro Paulo Brossard, para quem o juiz fala nos autos: quando o juiz fala fora dos autos, ele está tentando politizar ou moralizar o Direito, pois se lhe interessasse só o Direito, os autos lhe bastariam. No fundo, esse hábito fragiliza o Direito, por uma razão simples: quando o cidadão vai ao Judiciário, ele não pergunta o que o juiz pensa sobre aquela causa, ele pergunta o que o Direito diz. A gente só quer saber o que o juiz pensa na estrutura do Direito; aquilo que o juiz pensa pessoalmente sobre a causa não é do interesse de ninguém, só dele mesmo. Eu escrevi um livro chamado “O que é isto – decido conforme minha consciência?”, dizendo exatamente que os juízes não devem decidir conforme sua consciência. Isso pode parecer quase uma heresia no Brasil, só que se trata de um problema puramente filosófico, é um paradigma ultrapassado. A democracia só foi possível porque nós ultrapassamos a filosofia da consciência. A filosofia nos deu a possibilidade de, intersubjetivamente, avançarmos. Quando um juiz diz “decido conforme minha consciência”, eu não quero: eu quero que ele decida conforme a Constituição e o Direito. Sem entrar no mérito do julgamento do ex-ministro José Dirceu, na ação penal do Mensalão, o que a ministra Rosa Weber quis dizer com a seguinte frase, contida em seu voto: “Eu não tenho provas contra ele, mas vou condená-lo porque a lei me permite”? A ministra citou o famoso Malatesta, para quem o ordinário se presume e só o extraordinário se prova. Portanto, como aquilo podia ser visto como um ato ordinário, afinal Dirceu era o chefe, isso faria com que fosse desnecessária a prova. Até aqui, tudo bem. Agora eu vou te dar uma nova. Quando apareceu essa questão, no mesmo dia, enquanto ocorria o julgamento, eu pedi para que minha assessoria procurasse urgentemente o livro do Malatesta na biblioteca. E não é que os meninos acharam? E localizamos a citação. Duas páginas ou três depois da citação, o próprio Malatesta diz o contrário. Isso significa que o Malatesta é um jurista complicado, não tem uma sistematicidade, é incoerente. O senhor debateu com o juiz Sergio Moro, num evento do IBCCrim muito repercutido. Qual a profundidade dos argumentos jurídicos do juiz Moro? Desde logo observo que as decisões dele costumam ser confirmadas nas instâncias superiores. Eu tenho uma boa relação pessoal com o juiz Sérgio Moro, e reputo-o como um bom polemista. O fato de nós não concordarmos sobre algumas coisas não significa que tenhamos de ser inimigos – o Brasil já tem fracionamentos suficientes. Fizemos um debate em alto nível, mesmo tendo posições absolutamente diferentes nas mínimas coisas, e um dos aspectos naquele debate que vale citar foi a cobrança que eu coloquei para comunidade jurídica, mostrando que Sérgio Moro, no fundo, seguia aquilo que a própria comunidade jurídica ajudou a construir. Há um caldo de cultura no qual Sérgio Moro está inserido. Nenhum juiz é filho de chocadeira, nenhum promotor é filho de chocadeira, nenhum advogado é filho de chocadeira. Nós somos produtos, temos uma linhagem. Em um país que foi tomado por cursinhos de preparação, que não discute questões críticas e que transforma o Direito em algo técnico, de fato está sendo formada uma geração de juristas que lida com questões jurídicas a partir de posicionamentos morais e políticos. O Direito está sendo abandonado, está se tornando uma mera ferramenta, um machado. Tem até uma piada: o machado vai entrando no mato, e uma árvore diz para 16 REVISTA DA CAASP LENIO STRECK | ENTREVISTA


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