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Revista da CAASP - Edição 26-

uma espécie de ortodoxia constitucional: o jurista, necessariamente, tem que apostar com uma visão ortodoxa sobre o Direito, ter a coragem de dizer que algo é jurídico ou não-jurídico, ter a coragem de dizer que Direito não é moral, ter a coragem de dizer que Direito não é política, que Direito não é religião. O senhor enxerga um movimento orquestrado para desconstruir a Constituição? Se existe tal ação, de que maneira ela se manifesta mais especificamente? Existe esse movimento, e ele se dá basicamente de dois modos. Um, pelo olhar ideológico de setores que não concordam que a Constituição tenha um caráter compromissório, um caráter dirigente, que diga que o Brasil deve erradicar a pobreza, fazer justiça social. Isso é lei, isso vale, e portanto nós queremos que isso seja cumprido, pelo menos na minha linha ortodoxa constitucional, jurássica. E há setores que nunca concordaram com isso, que sempre disseram que a Constituição é uma carta de intenções e que, portanto, não é uma norma, é longa demais etc. O Gilberto Bercovitch tem a tese da Constituição invertida – eu até escrevi um artigo sobre isso. Setores da sociedade dizem que a Constituição é dirigente quando lhes interessa para receber fundos públicos. A esses setores a Constituição interessa quando serve para defender monopólios etc., mas para promover distribuição de renda, fazer justiça social, a Constituição deixa de ser dirigente. Esse é um aspecto. Por outro lado, há um movimento que desde o início da Constituição procura minar o Direito por dentro. Isso não acontece de forma deliberada, mas porque faz parte do modo de proceder do jurista médio brasileiro. Faz parte da tradição jurídica brasileira, que nunca apostou num grau de autonomia que o Direito pudesse ter, porque os setores dominantes sempre fizeram o Direito como queriam. A Constituição é um marco porque veio resgatar as promessas não cumpridas da modernidade. Isso machucou muita gente, desgostou muitas pessoas. E também o próprio Direito sempre esteve acostumado a lidar com questões interindividuais, como a cultura “manualesca” trata o Direito. Agora, quando o Direito passou a tratar de grandes questões transindividuais, aí os juristas ficaram em pânico. O ponto central da fragilização da Constituição está na aposta no ativismo judicial. O ativismo nunca é bom para a democracia. O ativismo judicial tem defensores ardorosos, não? Sim. Quem, por exemplo? REVISTA DA CAASP 11 ENTREVISTA | LENIO STRECK HÁ SETORES QUE NÃO CONCORDAM QUE A CONSTITUIÇÃO TENHA UM CARÁTER DIRIGENTE, QUE DIGA QUE O BRASIL DEVE FAZER JUSTIÇA SOCIAL.


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