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Revista da CAASP - Edição 22---

nada”. É a República da Impunidade, a qual, diga-se, parece que pode mudar a partir de agora. Como era possível advogar para presos e perseguidos políticos na ditadura militar, quando nem os direitos mais básicos eram observados? Naquelas circunstâncias, até que conseguíamos muita coisa. Não existia o habeas corpus, a imprensa toda estava amordaçada, os sindicatos estavam amordaçados, os centros acadêmicos estavam amordaçados. Fotos Ricardo Bastos No nosso escritório – éramos eu, Airton Soares, Luiz Eduardo Greenhalgh, Paulo Gerab, Joaquim Cerqueira César – muito pouco recebíamos e tínhamos que trabalhar para sobreviver como advogados normais, em causas cíveis, criminais etc. Os militares tinham muito interesse em saber o quanto ganhávamos. Se tivéssemos cobrado pouco, éramos tidos como colaboradores voluntários dos subversivos; se tivéssemos cobrado muito, era por causa “ouro de Moscou” que vinha para a gente. E vinha mesmo o tal “ouro de Moscou”? “Os políticos atuais não têm medo de mostrar o fruto da sua Vinha p... nenhuma! corrupção”. Nós estávamos fazendo a nossa participação, não de armas na mão, mas era a nossa participação, ora soltando presos, ora avisando de prisões, evitando mortes, torturas. Por incrível que pareça, conseguíamos absolvições ou nas Auditorias de Guerra de São Paulo ou no Superior Tribunal Militar. Nós, advogados, também funcionávamos como informantes ao exterior se determinada pessoa estava presa, sofrendo tortura ou mesmo risco de ser assassinada. Éramos sempre seguidos, os telefones eram grampeados, a correspondência era interceptada. Quando saíamos do escritório, levávamos sempre uma máquina de escrever e papel timbrado no porta-malas do carro. Frequentávamos, entre outros, o bar Riviera, na Consolação com a Paulista, e lá não raro recebíamos o aviso de que determinada pessoa estava presa. Interessava para nós que muitas pessoas, muitos jornais, mesmo que não publicassem, soubessem o que estava acontecendo. A gente redigia ali mesmo um pedido de informação sobre a pessoa, que era um habeas corpus disfarçado. Íamos para a rua Tutoia (sede do DOI-Codi), normalmente à noite, batíamos na porta e dizíamos querer falar com o oficial; o guarda dizia que não seríamos recebidos, ia lá para dentro, voltava... então pedíamos que entregasse a petição ao oficial, que comunicava ao seu chefe, que comunicava ao comandante do 2º Exército, e com isso muitas mortes eram evitadas. Muitas vezes isso impediu que o preso entrasse andando e saísse morto, como aconteceu com o Vladimir Herzog. Como e por que você foi preso? Eu fui preso umas seis vezes, sendo uma delas antes mesmo do regime militar, porque eu me recusei a ser mesário numa eleição. Bem, minha prisão mais importante foi no dia 3 de maio de 1973. Eu era advogado militante e também escrevia peças de teatro – como faço até hoje – usando o pseudônimo de César Vieira para escapar da censura. No grupo de teatro União e Olho Vivo tinha uma moça que namorava uma pessoa diretamente vinculada à luta armada. O DOI-Codi estava procurando a menina para ver onde ela ia e assim prender seu namorado. Abril 2016 / Revista da CAASP // 7


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