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Revista da CAASP - Edição 22---

esfera jurídica dos cidadãos restrições não autorizadas pelo sistema constitucional”. Oportunamente, Celso de Mello lembrou que o Decreto-lei número 88 de 1937, baixado sob as trevas do Estado Novo, “impunha ao acusado o dever de provar, em sede penal, que não era culpado”. À lembrança do decano pode-se acrescentar outra: também os códigos de processo penal da Itália no período de 1913 a 1930, que nortearam o fascismo de Benito Mussolini, estabeleciam a presunção de culpa. Importante destacar que a “presunção de não-culpabilidade”, para vários juristas um termo mais adequado que “presunção de inocência”, não está contemplada, em nível internacional, apenas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969), na Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Roma, 1950), na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Nice, 2000), na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Nairóbi, 1981), na Declaração Islâmica sobre Direitos Humanos (Cairo, 1990) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, este adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966. Os que compartilham do entendimento do ministro Teori Zavascki argumentam que a medida está em sintonia com as regras de países desenvolvidos. Em sua sanha punitiva, o jornal O Globo trouxe raciocínios como este em editorial: “O cumprimento da sentença a partir da decisão em segundo instância, a exemplo do que ocorre em outras nações, não fere o princípio da presunção de inocência, como querem fazer crer os críticos da decisão do STF. O pressuposto do direito a recursos até que se chegue a decisão transitada em julgado permanece preservado. O que o Supremo fez foi trazer para a realidade dos tribunais a eficácia do primado da lei”. Não se compreende, entretanto, por que o primado da lei estaria vinculado ao encarceramento precoce. O diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Oscar Vilhena Vieira, disse em entrevista à Folha de S. Paulo que “o Supremo seguiu o padrão internacional, que é a dupla jurisdição”. Observou, ainda, que nos Estados Unidos o encarceramento ocorre logo após a condenação de primeira instância. Em artigo na revista Carta Capital, o desembargador aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, presidente do Instituto Giovanni Falcone, derrubou a tese do bom exemplo externo. “Não é correto afirmar que, em diversos países comprometidos com a proteção a direitos humanos fundamentais, até condenações de primeiro grau geram imediatas privações de liberdade. Na maioria dos países europeus, em primeira instância da Justiça criminal funcionam órgãos colegiados, enquanto entre nós, como regra, temos em primeira instância decisão judicial monocrática. Mais ainda, os referidos órgãos colegiados europeus analisam e deliberam sobre a exigência de se manter ou impor a prisão preventiva e fundada no princípio da necessidade: podem deliberar também por medidas cautelares alternativas à prisão fechada”. Punições-espetáculo Os paladinos da moralidade, que enxergaram na decisão do STF um progresso, ganharam de presente uma peça que, por suposto, justifica seu apego ao encarceramento de plano. Foi preso no último dia 8 de março, com base na medida do Supremo, o ex-senador Luiz Estevão, condenado a 31 anos de prisão por desvio de verbas das obras de construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. A sentença foi proferida em 2006 pelo Tribunal Regional da 3ª Região, condenando-o por peculato, estelionato, formação de quadrilha e uso de documentos falsos. Ao longo dos últimos 10 anos, Estevão entrou com 34 recursos e estava em liberdade. Ele pertence àquela linhagem de políticos-empresários que, pelo conjunto da obra, a população quer ver atrás das grades. Abril 2016 / Revista da CAASP // 13


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