SAÚDE \\ O país dos pesticidas O Brasil não é o maior produtor de alimentos e bens agrícolas do mundo, ao contrário do que dizem. Mas desde 2008, segundo o Instituto Nacional do Câncer, é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, aqueles produtos químicos ou biológicos usados no controle de seres vivos considerados nocivos às plantações. Isso quer dizer que 64% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos e que cada brasileiro ingere Larissa, da USP: “estamos vivendo a barbárie da intoxicação de bebês” 20 // Revista da CAASP / Fevereiro 2016 WEB por ano cinco litros de puro veneno. Reportagem de Karol Pinheiro Os agrotóxicos, como o nome sugere, são substâncias que carregam riscos à saúde, tanto para os trabalhadores expostos a essas substâncias quanto para os consumidores de alimentos tratados com elas. Os impactos na saúde pública decorrentes do uso dos pesticidas são amplos e alarmantes. Segundo o Ministério da Saúde, foram registradas, entre 2007 e 2014, 34 mil notificações de intoxicação por agrotóxicos no Brasil. Estima-se que o número real de intoxicados seja bem maior: para cada caso notificado pode haver outros 50 não informados. “Um dado que consegue dar a dimensão da barbárie que estamos vivendo é o da intoxicação de bebês com menos de um ano, seja por ingestão do leite materno contaminado ou por exposição a esses produtos químicos por conta de os pais trabalharem na produção dos alimentos. De 2007 a 2014 foram intoxicados 343 bebês”, salienta Larissa Mies Bombardi, professora doutora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em geografia agrária e agrotóxicos. A ação dessas substâncias sobre a saúde humana pode ser letal. Os sintomas costumam ser sentidos alguns minutos ou algumas horas após a exposição ou a ingestão excessivas de um agrotóxico (efeitos agudos). O quadro clínico é caracterizado por dor de cabeça, dermatite de contato irritativa, náusea e tontura, vômitos, cólicas abdominais, fraqueza generalizada, entre outros. Efeitos ainda mais danosos e muitas vezes irreversíveis ocorrem após semanas ou anos de exposição a baixas doses de agrotóxicos (efeitos crônicos). A intoxicação manifesta-se através de inúmeras patologias, que atingem vários órgãos e sistemas, com destaque para os problemas imunológicos, hematológicos, hepáticos, neurológicos, malformações congênitas e tumores. “O agrotóxico altera o cromossomo da célula. A exposição e a ingestão crônicas são capazes de provocar mutações, daí seu papel importante no aparecimento de câncer e outras doenças, que decorrem de mutações sucessivas”, explica Silvia Regina Brandalise, onco-hematologista pediátrica e presidente do Centro Infantil Boldrini, de Campinas, hospital referência no tratamento de câncer infantil e que foi selecionado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a participar de um estudo epidemiológico Arquivo L. M. Bombardi
Revista da CAASP - Edição 21
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