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Revista da CAASP - Edição 20

Laranja Mecânica: a violência contra a hipocrisia Dezembro 2015 / Revista da CAASP // 41 Ao procurar Laranja Mecânica em manuais de cinema o leitor encontrará o filme classificado ora como drama, ora como thriller, não raro como ficção científica. Para alguns, trata-se de obra política. Na verdade inclassificável, a adaptação cinematográfica de Stanley Kubrick para o romance homônimo de Anthony Burgess é simplesmente genial. Lançada em 1971, trouxe pela primeira vez ao cinema a violência coreografada ao som de música clássica, filmada plano a plano com a criatividade e o perfeccionismo do lendário diretor. Numa Londres sutilmente futurista, Alex – Malcolm Mcdowell, em desempenho magistral – lidera um grupo de jovens delinquentes que se diverte bebendo um líquido viscoso em um bar soturno e saindo às ruas para bater, roubar, violentar. Os quatro “drugues”, como se autodenominam, vestem-se de modo peculiar e usam um linguajar que mistura inglês com termos de origem eslava. A fotografia de John Alcott mescla as tonalidades sombrias com o kitch mais colorido. Burgess considerou o filme tão brilhante quanto perigoso. De fato, o escritor passou a receber ligações ameaçadoras cada vez que alguém era estuprado no Reino Unido. Jovens presos e condenados solicitavam abrandamento de pena alegando terem sido influenciados por A Clockwork Orange. Para Stanley Kubrick, uma bobagem: “Não há provas de que a violência no cinema tenha um efeito direto sobre os atos futuros dos espectadores adultos. Na verdade, tudo indica o contrário. Foi demonstrado que, mesmo hipnotizadas ou em estado pós-hipnótico, as pessoas não fazem coisas contrárias à sua natureza”. É claro que o recluso cineasta, que também assina o roteiro, não esgotaria a descrição de suas intenções ao rodar Laranja Mecânica, mas a crítica social é mais que evidente: é o que de fato importa. Afora os marginais, todos os demais personagens são hipócritas absolutos. Os pais do personagem central são de uma boçalidade deprimente. A obra também pode, sem risco de erro, ser tomada como uma caracterização sarcástica do sistema penal e das tentativas de regenerar criminosos. Mais que isso: da tentativa de cooptar criminosos para o sistema. Alex e os “drugues”: fíguras hoje mitológicas no cinema Traído pelos outros três “drugues” – Pete, Giorgie e Dim –, Alex é preso e condenado a 14 anos de prisão. São impagáveis as sequências no Presídio Parkomov. Os oficiais são patéticos. O discurso do pároco a que Alex é submetido é um primor de obviedades cristãs que ele ouve entediado, não sem antes se identificar como anglicano. De alma maldosa, o preso lê a Bíblia e sonha com a via crucis, momento em que se vê como um pretoriano a açoitar Jesus.


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