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Revista da CAASP - Edição 20

\\ Nas liras de Marília de Dirceu, o quarentão Tomás Antônio Gonzaga, ouvidor-geral de Vila Rica, faz-se de Dirceu e imortaliza Marília, que representa na vida real Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, uma jovem de 17 anos por quem se apaixonara o poeta, e cujos pais não consentiam com tal namoro. Seus versos têm a força criadora do primeiro casal mítico da literatura brasileira. Dirceu é um pastor de ovelhas que trocaria todo seu rebanho pelo amor de Marília. Aparentemente superadas longas polêmicas sobre a autoria de Cartas Chilenas, hoje é atribuída a Tomás Antônio Gonzaga essa obra satírica, que teria tido também pitadas de colaboração de Cláudio Manoel da Costa. Considera-se que o vigor das sátiras perde-se com o passar do tempo, pois referem-se a assuntos de momento. Mas esses versos mineiros guardam valor histórico, pois retratam o clima de indignação que levou à Inconfidência. Neles, o herói-cômico Fanfarrão Minésio, governador de Chile, é ninguém menos, na vida real, que Luís da Cunha Menezes (Menezes = Minésio), governador da Capitania de Minas Gerais de 1785 a 1788. Os poetas inconfidentes, polimorfos em suas expressões épicas, líricas ou satíricas, foram homens cultos e influentes, que se reuniam em tertúlias antes literárias que políticas. Mas seu espírito altivo, inquieto e atento mantinha-os em permanente contato com as ideias políticas e filosóficas que revolucionaram o mundo de seu tempo, e de que foram, no Brasil, pioneiros divulgadores, pelo que pagaram com o degredo e, no caso de Cláudio Manoel da Costa, com a vida; melancólico, teria se suicidado na prisão. *Luiz Barros é escritos e jornalista Retrato da Derrama (Trecho de Cartas Chilenas) Em que o poeta Critilo (Tomás Antônio Gonzaga) conta a Doroteu (Cláudio Manoel da Costa) os fatos de Fanfarrão Minésio, governador de Chile. CARTA 8ª (…) “Pretende, Doroteu, o nosso chefe Mostrar um grande zelo nas cobranças Do imenso cabedal que todo o povo Aos cofres do monarca está devendo. Envia bons soldados às comarcas, E manda-lhes que cobrem, ou que metam, A quantos não pagarem, nas cadeias. Não quero, Doroteu, lembrar-me agora Das leis do nosso augusto; estou cansado De confrontar os fatos deste chefe Com as disposições do são direito; Por isso pintarei, prezado amigo, Somente a confusão e a grã desordem Em que a todos nos pôs tão nova idéia. 40 // Revista da CAASP / Dezembro 2015 Entraram nas comarcas os soldados, E entraram a gemer os tristes povos. Uns tiram os brinquinhos das orelhas Das filhas e mulheres; outros vendem As escravas, já velhas, que os criaram, Por menos duas partes de seu preço. Aquele que não tem cativo ou jóia, Satisfaz com papéis, e o soldadinho Estas dívidas cobra, mais violento Do que cobra a justiça uma parcela Que tem executivo aparelhado, Por sábia ordenação do nosso reino(…).”


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