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Revista da CAASP - Edição 19-

realmente revoluciona e persiste no tempo, mas sim àquilo que é passageiro, que é apenas aparência. O consumo é necessário, nós somos animais que não só produzem, mas também consomem. Porém, o consumismo é um desvio de inteligência. Como dizia Agostinho, um filósofo nascido na África que viveu na Europa no Século V, não sacia a fome quem lambe pão pintado, ou seja, você não matará a fome lambendo o desenho de um pão. E o consumismo, em grande medida, é apenas a aparência, um simulacro, uma representação, por isso ele nunca satisfaz. O consumismo vive exatamente da ausência de solução: ele captura as pessoas para algo que elas não conseguirão ter. Mas há algumas forças que nos levam para o consumismo, não? Sim, mas nós não somos tão vulneráveis a ponto de não podermos resistir a elas. Nós não somos infantis – você sabe que a palavra “infante” significa “aquele que não consegue falar”, aquele que não pode dizer nem dizer-se. A infância, sim, sem dúvida, é dominada por tais forças enquanto a gente não obtém autonomia, mas uma pessoa que não esteja mais na infância e que se suponha dominada por forças externas a ela – ou por forças terríveis, como diria Jânio Quadros – será duplamente tola: primeiro por fazer o que não precisa, segundo por acreditar que o faça sem querer. O que vem a ser a miojização do mundo, termo criado pelo senhor? Nós substituímos um pouco as relações mais densas de convivência por um apressamento dessas relações. As ideias do fast food e do lava-rápido, tudo aquilo que dá pressa e não necessariamente velocidade, porque velocidade é sinônimo de qualidade, enquanto pressa é ausência de planejamento. Eu quero uma Justiça que seja veloz, mas eu não a quero apressada, por exemplo. A mesma coisa vale para uma refeição: eu quero velocidade na hora de sentar para comer, mas não quero ter de comer apressadamente. Eu quero velocidade para ser atendido por um médico, mas eu não quero pressa na consulta. Desse ponto de vista, a capacidade de miojização do mundo é supor que um alimento feito em três minutos possa ser considerado algo elaborado. Há uma miojização das relações, isto é, um apressamento. Nós, inclusive, passamos a banalizar até a expressão “amigo” ou “amiga”. Aquele que deveria ser só “conhecido”, “colega”, alguém com quem tivemos um contato, ganha ares de amizade. E amizade, dizia Aristóteles, são dois corpos com uma única alma. Uma parcela das pessoas que se dizem amigas tem tanta profundidade de relacionamento quanto a gente tem com a moça que nos atende no pedágio. As redes sociais não contribuem para miojização do mundo? Como a rede social vive da instantaneidade, ela se assemelha um pouco a uma fumaça que passa por nós com certa pressa. É claro que as redes sociais, em si, não são nenhuma coisa descartável, ao contrário, no entanto elas têm, sim, um nível de superficialidade que leva a pessoa a apreciar menos o que ela está fazendo e muito mais que as pessoas saibam o que ela está fazendo. Muitas vezes a pessoa perde mais tempo na exposição do prato que está degustando do que na própria degustação do prato. Uma paisagem, em vez de ser apreciada em sua intensidade maior, ela só será de fato satisfatória se puder ser exibida. Portanto, essa exposição exagerada leva a uma superficialidade. Outubro 2015 / Revista da CAASP // 9


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