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Revista da CAASP - Edição 19-

\\ Reprodução O sindicato dos criminosos organiza a sua caçada mobilizando os mendigos da cidade. Um cego é quem localiza o assassino, identificando-o por seu assobio. É uma fina ironia: até um cego vê o que a polícia não vê. O expressionismo foi um movimento de vanguarda com raízes no Século XIX e que no início do Século XX ganha força e influencia a literatura, a pintura, a arquitetura e o cinema, sendo marcante nesse movimento o que se denominou “expressionismo alemão”. Os expressionistas privilegiavam a “expressão” da realidade utilizando-se de distorções que acentuavam os traços marcantes de sua visão do mundo. Essa definição genérica do movimento presta-se exemplarmente para a compreensão da forma como Fritz Lang conduziu a narrativa e orientou a fotografia em branco e preto de Fritz Arno Wagner, aqui se destacando o uso de perspectivas e ângulos de câmera até hoje diferenciados e à época totalmente originais; a projeção de sombras; o contraponto entre cenas que se passam em silêncio total e o fundo musical nos momentos em que o assassino, de pacato cidadão ao entrar em transe transforma-se em infanticida, entre outros. Criminoso julgado por criminosos Reprodução 40 // Revista da CAASP / Outubro 2015 Peter Lorre, aterrorizante e trágico E a moldura expressionista também nos guia para a segunda leitura de sua obra-prima, de ordem simbólica e inteiramente narrada nas entrelinhas da história. Embora o diretor, como outros expressionistas, se interessasse por dar vida ao sombrio e embora conste ter havido um psicopata de carne e osso, Peter Kürten, cuja história, modificada, teria inspirado a narrativa linear do filme (Fritz Lang teria assistido pessoalmente ao julgamento desse assassino), M – O Vampiro de Dusseldorf, em seu sentido mais profundo é uma crítica impiedosa aos nazistas. Vejamos neste ponto as palavras do professor Orivaldo Leme Biagi, doutor em História pela UNICAMP: “... o filme tornou-se um dos libelos políticos mais importantes do Século XX. Nele, Lang mostrou o pesadíssimo clima social e político da Alemanha da década de 20 e início da década de 30, denunciando a histeria e o cinismo como novas formas de imposição do poder. Além da presença de grupos paramilitares nazistas (Hitler ascenderia ao poder 1933, mas o Partido Nazista já era uma força política poderosa no momento), que criavam tribunais particulares, além de organizar atentados e sabotagens.” Desvendam-se, assim, outros simbolismos: o psicopata que inspirou Fritz Lang não era um assassino de crianças; ao representá-lo como infanticida é lícito que interpretemos politicamente o que diretor pretenderia dizer com isto? Em caso positivo, o significado seria o de que o nazismo estaria matando o futuro da Alemanha. Da mesma forma podemos considerar política a longa discussão sobre inimputabilidade que surge ao meio do julgamento do assassino no tribunal dos criminosos. Para este júri, o infanticida não deveria ser entregue à polícia, pois, se fosse levado a julgamento pelas autoridades competentes, seria considerado doente e não responsável por seus crimes, ficaria algum tempo em tratamento para logo ser considerado curado, voltar às ruas e continuar a matar. A única solução seria condená-lo à morte e matá-lo ali mesmo, lógica prevalecente nos “julgamentos” de tribunais paralelos e marginais, de que hoje ainda temos exemplo aqui mesmo em São Paulo, em chacinas que ora se atribuem a bandidos ora a forças policiais. O patrulhamento nazista fez com que Lang alterasse duas vezes o título do filme que, originalmente, era Die Mörder Sind Bei Uns – Os Assassinos Estão Entre Nós; ameaçado por um representante do partido nazista, o diretor mudou para Eine Stadt Sucht Einen Mörder – Uma Cidade Procura um Assassino, o que ainda não foi suficiente, levando-o a finalmente dar ao filme o título M. letra inicial da palavra mörder, assassino em alemão. Nunca houve qualquer “vampiro” nem na história, nem no filme, nem no título, salvo na sempre criativa e tantas vezes distorcida imaginação dos tradutores de títulos de filmes estrangeiros no Brasil.


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